Direito no Agronegócio

[Leonardo Sorgatto e Pedro Puttini] – Compra e venda de fazendas em arroba e vaca papel

LEONARDO FLORES SORGATTO
sócio da Siqueira & Sorgatto Advogados
PEDRO PUTTINI MENDES
sócio da P&M Advocacia Agrária, Ambiental, Família e Sucessões.
(Adaptado de publicação dos autores na Scot Consultoria)
E-mail: siqueirasorgatto@gmail.com

Na praxe da compra e venda de propriedades rurais é muito comum encontrar contratos que vinculam parte dos pagamentos em arrobas de boi e produtos.

Também é comum, em algumas situações de negociação de compra e venda de propriedades rurais ou até mesmo de empréstimos, notar a utilização de meios ‘transversos’ para estabelecer atualizações de valores de dívidas, simulando contratos como os de “parceria pecuária”.

Entretanto, há diferenças entre contrato de parceria pecuária e o contrato chamado de “vaca papel”, o que demanda muito cuidado.

Isso porque, nesta suposta “parceria pecuária” que esconde uma negociação completamente diversa da pretendida, o comprador da propriedade rural simula um “parceiro outorgado”, aquele quem recebe alguma coisa em parceria, e o vendedor da propriedade rural simula um “parceiro outorgante”, aquele quem entrega alguma coisa em parceria.

A negociação é feita como se fosse uma entrega de gado – que já estava no imóvel rural – para abatimento de parte da dívida da compra e venda da própria fazenda entre eles, por meio da engorda, cria e recria de animais, partilhando os bezerros nascidos deste rebanho como forma de renda desta suposta parceria.

Por vezes, estes contratos são mal redigidos e se tornam um problema ao invés da solução, formando “negociações de gaveta”. O perigo maior para este caso é a simulação contratual, pois sem comprovação de entrega do rebanho, há um risco de que o judiciário considere nulo o negócio, por não acreditar na existência do gado, situação já decidida nos tribunais por diversas vezes, chamando tais contratações de “vaca papel”.

O contrato “vaca-papel” revela uma prática que já foi muito comum nestas negociações que é esconder uma relação de agiotagem ou de mútuo oneroso de dinheiro, com a incidência de juros e acréscimos proibidos por lei, mas “maquiados” pela parceria pecuária, o chamado mútuo feneratício ou frutífero, que afronta a limitação dos juros em 12% ao ano, nos termos do Decreto-lei nº 22.626/33.

Enfim, este tipo de contratação mascara a inexistência da vaca e a existência do papel com a finalidade de formalizar um empréstimo à juros com acréscimos proibidos por lei.

Por outro lado, para ilustrar uma situação de compra e venda em arrobas, exemplificamos com o trecho de uma cláusula de contrato de compra e venda com esta situação:

Neste caso, é possível pactuar uma venda com reajuste em arrobas sem tirar a liquidez deste contrato para fins de execução em caso de inadimplência do comprador, pois a liquidez não necessariamente é aceita pelo judiciário apenas em dinheiro, podendo ser fixada em arrobas, uma prática que dependendo da situação pode se tornar mais interessante (ou não) para o credor, dependendo do valor da arroba na data do vencimento.

Por isso, ao executar um contrato como o que foi ilustrado, bastaria buscar a cotação da época, que neste caso do exemplo, infelizmente foi atingido por uma época de grande queda do valor da arroba.

Em pesquisas por entendimentos de diversos tribunais do país, para responder se a arroba é suscetível de objetiva determinação, encontramos casos julgados pelo Tribunal de Justiça Minas Gerais no sentido de que arroba do boi “não demanda procedimento cognitivo para apuração, podendo ser obtido mediante simples cálculos aritméticos, com utilização de quantidade e preço mínimo estabelecido pelas partes à arroba de boi na data do vencimento da obrigação”.

Também é possível encontrar entendimento do Tribunal de Justiça de Rondônia afirmando que “É título executivo líquido o contrato particular que converte determinado valor de prestação em arrobas de boi, cujo preço será aferido na data do vencimento. Tendo objeto determinado, e índice que capacite a realização de cálculos aritméticos para a verificação do valor da obrigação, não há que se falar em iliquidez do título”.

Já o Tribunal de Justiça do Mato Grosso julgou improcedente a tentativa de nulidade de uma execução pelo devedor em caso de fixação da dívida em arroba do boi, entendendo que não há nulidade na fixação de pagamento desta forma, uma vez que “Não há falar em iliquidez do contrato por ausência de especificação sobre a espécie de boi a ser usado como parâmetro para calcular as arrobas de carne devidas, porquanto uma vez convertida a execução para quantia certa, e feita a apuração judicial do valor conforme permissivo legal, exequível é o contrato”.

São apenas algumas reflexões da prática jurídica, sempre recomendando cautela na elaboração dos contratos, pois é este que “faz lei entre as partes”.

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2 comments

Matheus 09/06/2022 at 21:57

Olá, no caso do valor remanescente, de uma compra e venda, ser ajustado nominalmente e ser convertido em arrobas de boi. Quando do pagamento da obrigação prevalecerá o valor nominal ou o credor receberá menos do que o valor nominalmente estipulado ?

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Revista Attalea Agronegócios 10/06/2022 at 13:23

Caro Matheus,
boa tarde…

Consideramos extremamente importante a sua pergunta e agradecemos o seu comentário no artigo.
Contudo, como é um “artigo assinado”, sugiro que você entre em contato direto com o autor PEDRO PUTTINI MENDES através do E-mail: siqueirasorgatto@gmail.com
Abraços e continue conosco.

REDAÇÃO

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