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[Davi Moscardini] – Qual a real importância da análise de solo na cultura do café?

DAVI MOSCARDINI
Engenheiro Agrônomo, Mestre em Fitotecnia – ESALQ/USP
E-mail: davimoscardini1@gmail.com

Estamos chegando à reta final de mais uma safra de café no país e os olhos do cafeicultor já miram 2023, apesar da conturbada situação climática dos últimos dois anos e da expressiva quebra de produção observada no campo.

Tradicionalmente realiza-se a análise de solo após a operação de varrição e retorno da matéria orgânica (cisco) para a saia do cafeeiro. A análise de solo convencional tem como principal objetivo avaliar a situação química dos solos cultivados e em última instância verificar se o teor de nutrientes se encontra baixo, médio ou alto no solo, assim como orientar ás operações de correção (calagem) e condicionamento (gessagem) de solo.

Utilizando-se de boletins oficiais é possível recomendar adubações para que tais nutrientes sejam elevados para o nível médio (Tabela 1). Este é o patamar almejado pois representa o teor ao qual obtém-se 90 a 100% de colheita relativa (Figura 1). Em outras palavras é o teor a partir do qual não se obtém mais respostas à adubação. Por exemplo: o teor médio para fósforo (P) é de 30 mg/dm³. Um produtor que possui 100 mg/dm³ não produzirá mais que um produtor com 30 mg/dm³, pois a partir deste valor a produtividade já não é mais limitada pela quantidade de fósforo, mas sim por uma série de outros fatores (climáticos, físicos, bióticos, abióticos e etc).

Figura 1. Colheita relativa (CR) de café em função do teor de nutriente no solo. O teor A corresponde a 100% da CR, a partir do qual a produção não responde à adubação com este nutriente. [1]

É muito importante deixar claro que os teores adequados (Tabela 1) só possuem correlação com amostras retiradas de 0-20 centímetros (cm) sob a copa do cafeeiro. A pesquisa determinou está profundidade porque considerava-se esta faixa como a camada passível de ser arada na época, por isso comumente é chamada de “camada arável”. A posição sob a copa do cafeeiro foi adotada por se tratar do local onde são aplicados os corretivos e fertilizantes. Portanto infelizmente não é possível recomendar adubações com análises retiradas em outras profundidades, assim como amostras retiradas na entrelinha ou no local de rodado das máquinas no cafezal. A análise de 20-40 é recomendada apenas para recomendação de gesso, insumo fundamental para diminuir a toxidade de alumínio em profundidade, fornecimento de cálcio e enxofre e aprofundamento de bases (cálcio, magnésio, potássio).

Tabela 1. Teores de nutrientes no solo correspondentes a 100% da colheita relativa (A) de café em razão dos extratores. [1]

Em alguns casos específicos é interessante realizar a investigação de camadas mais profundas e até mesmo superficiais do solo, ainda que não existam recomendações oficiais para estas faixas de profundidade. A análise de 0-10 cm por exemplo é muito interessante para avaliar o pH na superfície do solo. O uso de calcários de baixa reatividade pode elevar em demasia o pH neste local. Isto explica porque muitas vezes não se observa o aumento desejado de pH e magnésio na camada de 0-20 cm após a calagem realizada na safra anterior. Isso ocorre porque a acidez é condição fundamental para a solubilização do calcário. Como o café é uma cultura perene não é possível incorporar o corretivo em profundidade, o que diminui a eficiência da calagem quando realizada sobre solo alcalino. Esta alcalinidade excessiva também prejudica a eficiência das adubações realizadas com ureia e fosfatos em geral, devido ao favorecimento dos processos de perda de nutrientes por volatilização (N) e precipitação (P).

A análise de horizontes mais profundos do solo também é interessante para fins de identificação de impedimentos químicos (Alumínio) e falta de elementos cruciais ao desenvolvimento radicular (Cálcio e boro). Alguns solos específicos apresentam horizontes álicos e alumínicos em subsuperfície (teor muito elevado de alumínio). A identificação destas características antes do plantio pode orientar a incorporação de corretivos em profundidades elevadas (0-80 cm) com auxílio do dreno subsolador, assim como a adoção de variedades mais tolerantes ao alumínio. Um exemplo prático seria adoção de Catuaí e Mundo Novo nestas áreas, uma vez que apresentam tolerância superior ao alumínio quando comparados aos Obatãs [2].

Outra consideração importante no momento da coleta é a delimitação das áreas para amostragem do solo. Deve-se separar glebas uniformes (mesmo solo, variedade e tratos culturais) de no máximo 15 hectares, para que sejam coletadas cerca de 20 sub-amostras em locais distintos do talhão, sempre de 0-20 cm e sob a copa do cafeeiro. As sub-amostras devem ser acondicionadas em baldes limpos, sem resíduos de fertilizantes ou outros produtos químicos que possam interferir no resultado da análise laboratorial.

A ferramenta escolhida para coleta também é fundamental para uma análise de solo confiável. O uso de enxadas ou enxadão gera amostras com alta variabilidade, pois é praticamente impossível retirar uma fatia de solo uniforme com estes equipamentos. Uma nova tendência é uso de furadeiras que facilitam muito a coleta, mas deve-se ficar atento ao material da broca, assim como seu tempo de uso. Brocas que não são feitas de aço inoxidável podem contaminar a amostra com micronutriente metálicos e se estiverem muitos gastas ocorrerá superestimação da fertilidade do solo, pois coleta-se mais solo da superfície quando a ponta da broca está gasta. A ferramenta mais segura e uniforme para a coleta de análises de solo ainda é a tradicional sonda de aço inoxidável. O único inconveniente deste método é o tempo e o esforço necessário para realização da amostragem, o que pode ser limitante em áreas extensas.

O produtor também deve estar atento à qualidade da equipe que realizará a amostragem de solo na fazenda. Lembre-se que esta operação vai gerar toda a recomendação de adubação e correção de solo da propriedade. Somente nestes dois tratos culturais o aporte financeiro pode ser superior a R$10000,00 por hectare nos atuais custos. Outro ponto fundamental é a escolha do laboratório que realizará o laudo de fertilidade. De nada adianta uma amostra perfeitamente coletada se o material não for adequadamente analisado no final do processo. O laudo de fertilidade é o investimento mais baixo de toda esta operação. O investimento em nutrição em uma gleba de 10 hectares pode ser da ordem de R$100.000. Na tentativa de economizar uma quantia insignificante de dinheiro com análises de solo pode se perder milhares de reais, fora os prejuízos em produtividade caso as adubações programadas com base em um laudo incorreto não atendam ou excedam às necessidades do cafezal. Uma boa análise de solo é o pontapé inicial para uma safra de sucesso, pois o trabalho de todo o ano depende da qualidade desta simples, mas fundamental avaliação.

REFERÊNCIAS

[1] Favarin, J. L., Moscardini, D. B., de Souza, L. T., Baptistella, J. L. C. (2018). Caminhos para aumentar a produtividade do café arábica. Inform. Agron. 13–18.

[2] J. Mistro et al. Comportamento de cultivares de café arábica em solos ácidos e corrigidos.  O Agronômico, 59(1), p.37, Campinas, 2007.

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