ANA MARIA PRIMAVESI
Engenheira Agrônoma, nascida e formada na Áustria em 1920. Foi a primeira agrônoma a afirmar que o solo tem vida. Durante seu período de faculdade a Europa enfrentava a 2ª Guerra Mundial e ela persistiu em seus estudos, determinada a estudar o solo, sua grande paixão. Casou-se com Artur Primavesi ainda na Áustria e o casal imigrou para o Brasil, onde viveram em Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. Ícone da Agricultura Ecológica, escreveu o livro que seria o divisor de águas na compreensão da prática natural da agricultura: “Manejo Ecológico do Solo”. Além desse, outros livros foram publicados e que foram relançados pela Editora Expressão Popular (https://www.expressaopopular.com.br/)
Contato: https://www.facebook.com/anamariaprimavesi
Na rizosfera existem certas bactérias, os rizóbios, que penetram pelas pontas da radícula e instalam-se na raiz. Estabelece-se, então (especialmente se a planta for uma leguminosa), um acordo “comercial” conhecido cientificamente como simbiose: a raiz fornece cerca de 40% de seus carboidratos às bactérias, que retribuem a gentileza abastecendo-a com o nitrogênio que retiram do ar do solo.
Essa provisão depende também da ação de determinados fungos e outros microrganismos. Em pé de guerra, eles marcham contra os rizóbios, a fim de desalojá-los de sua privilegiada posição. Estes, para se defender, aceleram sua atividade, formando grande quantidade de nódulos na raiz, geralmente de coloração vermelha.
Quando os rizóbios não têm a quem enfrentar produzem nódulos brancos. Aliás, é essa a cor que caracteriza atualmente a maioria das raças de rizóbios, uma vez que seus adversários praticamente desapareceram, arrasados por tecnologias importadas que vêm degradando os nossos solos. Disso se conclui que, para garantir uma fixação efetiva de nitrogênio, é indispensável haver micro vida ativa no solo.
A simbiose só funciona quando a raiz tem condições de saldar sua parte no compromisso. Se ela tiver dificuldade em fazê-lo, não tem conversa: os rizóbios tentam extorquir os carboidratos, prejudicando seriamente a planta. Depois de conseguir seu intento, eles abandonam a raiz e retornam ao solo. Também a deixam quando ela é cortada, como em forrageiras, ou se o campo for inundado. O acordo é desfeito, ainda, à época da floração. Nesse caso, a raiz tem que mandar seus carboidratos à planta para a formação de flores e frutos.
Em solos carentes de matéria orgânica, a vida é muito fraca. Quase não existem meios para a fixação de nitrogênio. É por isso que ao se plantar uma leguminosa pela primeira vez, costuma-se inocular suas sementes com algumas raças de rizóbios. Em condições favoráveis, eles podem fixar entre 40 e 160 kg de nitrogênio por ha/ano, como o fazem na soja perene e na grevilha.
Não só as bactérias entram nas raízes; os fungos também. Os primeiros a fazê-lo foram identificados em pinheiros, mas hoje, sabe-se que todas as plantas podem ter fungos associados a suas raízes, com exceção de liláceas como a cebola e de crucíferas como o repolho. A essa associação dá-se o nome de micorriza.
Os fungos podem entrar total ou parcialmente na raiz. No primeiro caso, podem formar nas células um tipo de micronódulo. Na segunda hipótese, envolvem a raiz com seus hífens, constituindo uma espécie de pelúcia.
A associação se estabelece quando as plantas começam a crescer e dissolve-se quando elas desenvolvem-se totalmente. Em plantas anuais isso acontece mais ou menos seis semanas após a germinação. As micorrizas são mais intensas em solos arenosos, pobres em matéria orgânica; em solos humosos, não; os fungos detestam, especialmente, o húmus ácido.
Encobrindo raízes lenhosas, os fungos recuperam-lhes a capacidade de absorção. Mas morrem se faltar-lhes a munição adequada de carboidratos. Assim, raízes de chá, atacadas por fungos de mata recém-roçada, geralmente não sobrevivem. É que, por serem muito mais fracas do que as raízes das árvores nativas, não conseguem “satisfazê-los”. Em gramíneas (aveia, milho, etc.) as micorrizas aparecem, principalmente, após o tratamento das sementes com micro nutrientes, providência que promove um desenvolvimento muito mais forte e abundante das raízes. Na verdade, todos os nossos cereais apresentam micorrizas, mas estas raramente aparecem em plantios convencionais, nos quais se faz adubação química em excesso.
As micorrizas possibilitam o surgimento de vegetações exuberantes em solos arenosos (geralmente pobres), equilibrando as condições de vida neles existentes e equiparando-os aos argilosos (quase sempre ricos). Porém, em solos compactados, onde não existe ar suficiente, a associação dos fungos às raízes é difícil; e, em solos inundados, impossível. Em árvores, as micorrizas formam arbúsculos e nódulos; em plantas anuais, não chegam a tanto, mas uma raiz de capim pode ficar até cinco vezes mais grossa por causa delas.
Em florestas, como a mata geral da Amazônia, a enorme variedade de espécies garante um enraizamento denso por plantas não concorrentes e pela ausência de pragas e doenças arrasadoras. É claro que na mata há árvores seriamente atacadas por insetos –mas só quando elas estão morrendo ou, no mínimo, fracas. Quem não consegue distinguir entre plantas sadias e vigorosas ou fracas e biologicamente deficientes, jamais compreenderá por que elas são vitimadas por pragas e doenças. Duas condições são fundamentais para que isso aconteça:
• Que o agente (microrganismos ou insetos) tenha se desenvolvido desenfreadamente, livre do controle de inimigos naturais;
• Que a planta seja suscetível. Plantas sadias possuem um sistema de autodefesa tão poderoso que a sobrevivência de parasitas é impraticável. Ora, plantas sadias e bem nutridas só existem quando suas raízes são fortes, saudáveis e bem desenvolvidas, o que somente se verifica em policulturas. Nesse ambiente, as raízes convivem com muita intimidade e é possível observar a existência de plantas amigas e companheiras, que gostam de crescer juntas, que se ajudam e se beneficiam mutuamente, assim como outras que se antagonizam e se prejudicam.
A afinidade entre as raízes exige que uma tenha vida diferente da outra, necessidades diferentes e excreções diferentes. Assim, mucuna e feijão-de-porco aumentam as safras do milho e fortalecem seus pés. É que o milho consegue absorver diretamente os aminoácidos excretados por essas leguminosas e dá sempre de 12 a 20% a mais de grãos na colheita. Moranguinhos rendem mais com feijão intercalado. Feijão gosta da companhia do milho. A aveia é tão amiga da ervilhaca quanto o algodão do trevo.
No entanto, seria um erro acreditar que todas as policulturas e culturas intercalares sejam benéficas. Existem antipatias muito fortes. Assim, feijão-de-porco afeta a tiririca por suas excreções radiculares e pelo sombreamento intenso que produz. Azevém prejudica guanxuma e girassol, a batatinha. Sorgo ameaça a vida do gergelim e do trigo, e erva-doce ou funcho não costumam se dar bem com ninguém.
Ilustração:
No filme “A vida do Solo” idealizado por Ana Primavesi, essa relação é bem clara: