DAVI MOSCARDINI
Eng. Agrônomo, Mestrando em Fitotecnia pela ESALQ/USP
davi.moscardini@usp.br
Durante séculos o cafeeiro foi cultivado no Brasil a pleno sol, sobre solos descobertos por capinas, trinchas e mais recentemente com uso de herbicidas. Ainda que tradicional, este modelo de cultivo é totalmente descolado do ambiente tropical, caracterizado por alta temperatura e pluviosidade. Nestas circunstâncias solo descoberto significa susceptibilidade a erosão, aquecimento excessivo e perda de água por evaporação, condições que desfavorecem o crescimento superficial de raízes do cafeeiro. Por estes motivos este sistema está caindo em desuso, principalmente em áreas de sequeiro, ainda que com resistência de parte dos cafeicultores.
Um grande avanço foi dado com a aplicação localizada de herbicidas e com uso de roçadeiras para o controle das plantas espontâneas na entrelinha. Este sistema evoluiu para a condução do cafeeiro em consórcio com gramíneas do gênero Uruchloa, conhecidas popularmente como braquiárias (Figura 1). Algumas propriedades adotam este modelo há mais de 15 anos com produtividades médias superiores a cafezais conduzidos no sistema convencional. A prática cresce em algumas regiões cafeeiras como a Alta Mogiana devido aos bons resultados, hoje amparados por trabalhos de pesquisa.
Recentemente houve grande estímulo ao uso de outras plantas de cobertura na entrelinha do cafeeiro com intuito de potencializar os benefícios do consórcio café-braquiária. Dentre as plantas utilizadas cabe mencionar várias leguminosas como a crotalária, mucuna, estilosantes e feijão guandu (Figura 2). Apesar da iniciativa nobre estes consórcios não se consolidaram na vasta maioria das propriedades que os adotaram. Abaixo são discutidos alguns pontos a serem considerados no momento da escolha da espécie a ser consorciada com o cafeeiro, com base em características que possam auxiliar na melhora do ambiente de produção e em última instância no aumento de produtividade.
Aumento de matéria-orgânica no solo
A fração orgânica do solo tem forte impacto sobre as propriedades físicas, químicas e biológicas do solo. No Estado de São Paulo por exemplo, de 56 a 82% da capacidade de troca de cátions (CTC) é gerada pela matéria-orgânica (RAIJ, 2017). Seu teor está diretamente ligado a qualidade física de solos cultivados com café (ALCÂNTARA & FERREIRA, 2000) e com a atividade microbiológica (LOPES et al., 2013). Portanto práticas que propiciem o acúmulo de matéria-orgânica (MOS) no cafezal são muito desejáveis.
Nesse sentido o consórcio com plantas da família das leguminosas não é indicado, pois favorece a degradação da matéria-orgânica do solo (CREME et al., 2017). A chave para o aumento da MOS nos trópicos é a deposição incorporada de grande quantidade de resíduos orgânicos de difícil degradação, ou seja, que apresentem conteúdo elevado de lignina. Neste sentido as gramíneas são imbatíveis, pois podem produz até 47 toneladas/ha de massa seca de raízes em 40 cm de solo (RAZUK, 2002), com teor de lignina 2,4 vezes maior que raízes de leguminosas (TYURIN, 1965). A braquiária é tão eficiente para a incorporar carbono que áreas de pastagem podem apresentar teor de MOS superior a florestas.
Cobertura do solo
Quando a temperatura do solo atinge 33°C o crescimento do sistema radicular do cafeeiro é afetado (FRANCO, 1958). A condução de plantas de cobertura na entrelinha do cafezal é uma maneira efetiva de reduzir a incidência direta de luz solar e o superaquecimento do solo (Figura 3).
A cobertura da projeção da copa do cafeeiro com palhada aumentou em 30 % a altura de plantas e três vezes a o número de frutos por cafeeiro (COFFEE & CLIMATE, 2014), com produtividade similar a cafeeiros irrigados (CANNELL, 1973). Para que o solo fique coberto por mais tempo ao longo do ano é necessário que a espécie implantada na entrelinha seja perene e produza grande quantidade de resíduo de degradação lenta (Figura 4, 5)
A maioria das leguminosas utilizadas em consórcio com o cafeeiro são anuais, portanto não rebrotam após a roçada. Além disso seu resíduo é rapidamente decomposto pela microbiota do solo, pois possui baixa relação C/N, ao contrário das gramíneas (Figura 6). Desta forma cafezais consorciados com leguminosas tem o solo protegido por resíduo por menos tempo em relação a solos cobertos com palhada de gramíneas.
Ciclagem e fornecimento de nutrientes
O argumento mais utilizado para consorciar leguminosas com o cafeeiro é a capacidade de aportar nitrogênio (N) no sistema através da simbiose com bactérias fixadoras. Embora isso seja relevante em cultivo orgânico e propriedades familiares, trabalhos mostram que não há incremento significativo deste nutriente nas folhas do cafeeiro (PARTELLI, 2011; BERGO, 2006; TOLEDO, 2005). Alguns argumentam que a palhada de braquiária pode imobilizar nitrogênio devido à alta relação C/N, isso ocorre, porém de forma localizada, pois o resíduo não é incorporado ao solo. A zona de imobilização de N é muito pequena em relação ao volume total de solo explorado pelo sistema radicular, por este motivo não são observados prejuízos a produtividade.
A quantidade de nutrientes fornecida pelos resíduos é função da concentração do nutriente e da quantidade de resíduo aportada. No consórcio café-braquiária a quantidade de resíduo aportada é da ordem de 5 toneladas por ha, resultando em 70 kg de nitrogênio e 80 kg de potássio (K2O) fornecidos ao cafeeiro (RAGASSI et al., 2013). Este último é o segundo elemento mais exigido pelo cafeeiro, facilmente perdido por lixiviação, por sua fraca interação com os colóides do solo.
A braquiária é uma excelente planta de cobertura para a recuperação de potássio em profundidade, pois é capaz de absorver 80kg/ha de K de camadas abaixo de 60 cm de profundidade (DIAS, 2018). Isso só é possível porque esta é uma planta perene que produz raízes continuamente. Plantas de coberturas anuais como a crotalária e o milheto deixam de investir em raízes a partir do florescimento, momento priorizam o dreno reprodutivo, desta forma são menos eficientes na ciclagem de nutrientes.
Supressão de nematoides
Os nematoides causam sérios problemas em cafezais. Os principais gêneros que atacam o cafeeiro no Brasil são Meloidogyne e Pratylenchus. Leguminosas como a crotalária devem ser consideradas em locais com a presença destes parasitas, pois é eficiente na diminuição da população de ambos. Já as braquiárias são uma boa opção para locais infestados com Meloidogyne, mas não são recomendadas em locais com a presença de Pratylenchus, pois são boas hospedeiras destes parasitas e podem agravar o problema.
Conclusão
Sistemas de condução de plantas na entrelinha do cafeeiro que não estejam alicerçados no uso excessivo de herbicidas, revolvimento constante do solo e que a mantenham uma faixa de cobertura vegetal controlada ao longo ciclo são vantajosos em relação à condução do cafeeiro sobre solo descoberto.
A evolução no manejo do mato culminou na criação de consórcios com plantas de cobertura e a braquiária se consolidou por ser de fácil manejo e pelos benefícios proporcionados ao cafeeiro. A transição do modelo tradicional para o inovador levará décadas e enfrentará natural resistência. Contudo, cada dia mais, nossas belas terras roxas ficarão um tanto quanto esverdeadas. Essa é a opinião do que vos escreve.
REFERÊNCIAS
ALCÂNTARA, E.N. & FERREIRA, M.M. Efeito de métodos de controle de plantas daninhas na cultura do cafeeiro (Coffea arabica L.) sobre a qualidade física do solo. R. Bras. Ci. Solo, 24:711-721, 2000.
BERGO, C. L. et al. Avaliação de espécies leguminosas na formação de cafezais no segmento da agricultura familiar no Acre. Acta Amaz., Manaus, v. 36, n. 1, p. 19-24.
CANNEL, M.G. Effects of irrigation, mulch and N-fertilizers on yield componentes of arábica coffee in Kenya. Expl Agric. 1973, 9, pp. 225-232.
COFFEE & CLIMATE. Use of Brachiaria ruziziensis and Cajanus cajan as cover crops for coffee plantations. Case studies. Cover crops. 2014.
CREME, A. et al. Biogeochemical nature of grassland soil organic matter under plant communities with two nitrogen sources. Plant Soil, 2017.
DIAS, D.S. Contribuição relativa do K de zonas de solo para conteúdo na soja e plantas em sucessão. 2018. Dissertação (Mestrado em Fitotecnia) – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2018.
FRANCO, C.M. Influência da temperatura no crescimento do cafeeiro. New York: IBEC Research Institute, 1958. 27p. (n.16).
LOPES, A. A. et al. Interpretation of microbial soil indicators as a function of crop yield and organic carbon. Soil Science Society of America Journal, v.77, p.461-472, 2013. http://dx.doi.org/10.2136/sssaj2012.0191.
PARTELLI, F.L. et al. Biologic dinitrogen fixation and nutrient cycling in cover crops and their effect on organic Conilon coffee. Semina: Ciências Agrárias, v.32, n.3, p.995-1006, 2011.
PEDROSA, A.W. Eficiência da adubação nitrogenada no consórcio entre cafeeiro e Brachiaria brizantha. 2013. Tese (Doutorado em Fitotecnia) – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2013. doi: 10.11606/T.11.2013.tde-15032013-101246.
RAGASSI R. F. et al. Aspectos positivos e riscos no consórcio cafeeiro e braquiária. Visão Agrícola. Piracicaba n° 12, 2013.
RAIJ, B. Fertilidade do solo e manejo de nutrientes. IPNI, Piracicaba, 2017.
RAZUK, R. B. Avaliação do sistema radicular de acessos de Brachiaria brizantha e suas relações com atributos químicos e físicos do solo. 2002. 56 p. Dourados, Dissertação (Mestrado em Agronomia) – Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Dourados, 2002.
TOLEDO, D. S. et al. Assimilação de nutrientes e desenvolvimento de cafezal orgânico em função do manejo da cobertura do solo. In: Simpósio de Pesquisa dos Cafés do Brasil, 4., 2005, Londrina. Resumos Expandidos… Brasília:
Embrapa Café, 2005. 1 CD-ROM.
TYURIN, I.V. Soil organic matter and its role in soil fertility. Izd. Nauka, Moskow. 1965.