Nos últimos meses, o setor agropecuário vem enfrentando um cenário de incertezas e complexidades frente às adversidades climáticas decorrentes do El Niño. O fenômeno vem perdendo força desde o início de 2024, com previsão de período de neutralidade entre os meses de abril, maio e junho, segundo as previsões mais recentes da Administração Oceânica e Atmosférica (NOAA).
Entretanto, os impactos negativos sobre a produtividade e a produção já são sentidos em diversas cadeias produtivas, com destaque para os dois carros-chefes da produção agrícola, a soja e o milho.
Adicionalmente, a previsão de La Niña para o segundo semestre do ano vem aumentando e ultrapassa 70% de
probabilidade de ocorrência entre os meses de julho, agosto e setembro. Importante lembrar que, em períodos
de La Niña, como ocorreu na safra 2020/21, a demora da chegada das chuvas comprometeu a janela de plantio e a
produtividade da segunda safra de milho no centro-sul, que acabou sofrendo queda de 27%. Na safra 2021/22, a
estiagem prejudicou o desenvolvimento das lavouras de soja e milho na primeira safra da Região Sul, reduzindo a
produtividade da oleaginosa em 47%.
Frente a esse cenário, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) projeta queda expressiva no volume
produzido na safra 2023/2024, quando comparada à anterior.
Segundo o sétimo levantamento da companhia, a produção de grãos será de 294,1 milhões de toneladas, redução de 8% ou 25,7 milhões de toneladas abaixo do obtido na safra 2022/2023. Essa quebra deve resultar em prejuízo superior a R$ 40 bilhões, considerando as culturas de soja, milho e trigo, valor que deixará de se consolidar em renda para os agricultores e prejudicará o crescimento da economia brasileira.
No caso da soja, mesmo com o incremento na área de 2,6%, a produtividade deve recuar 7,7% em razão, principalmente, do clima seco e quente em todo o País, com exceção do Rio Grande do Sul. A produção da oleaginosa deve somar 146,5 milhões de toneladas (-5,2%).
No caso do milho, as quedas projetadas são ainda maiores, visto a redução de área para cultivo de culturas mais rentáveis e também como consequência do clima desfavorável na primeira e na segunda safra. A produção total do cereal está projetada em 110,9 milhões de toneladas (-15,9%).
Para o trigo, além da redução na produção (-23%), a qualidade do produto colhido foi outro desafio enfrentado pelos produtores.
Associados aos desafios climáticos, às projeções de redução nos preços dos produtos agropecuários e à manutenção dos custos de produção ainda em patamares elevados, os obstáculos enfrentados pelos produtores rurais ampliam-se, comprometendo as margens brutas do setor, o que coloca em xeque a viabilidade econômica de muitas atividades agropecuárias.
Segundo dados do projeto Campo Futuro (CNA/CEPEA-ESALQ/USP), em Sorriso/MT, principal região produtora de soja do País, a queda nas margens dos produtores na safra 2023/2024 deve ser de, pelo menos, 41%
em relação à safra anterior, a mais baixa desde 2006/2007.
Para Rio Verde/GO e Cascavel/PR, essa queda na margem bruta é estimada em 39,6% e 39,5%, respectivamente.
Para o milho de segunda safra, o panorama não é diferente. Os custos altos e os preços de negociação
da saca do cereal mais baixos refletem-se na baixa atratividade que envolve o cultivo.
Em Sorriso/MT, a perspectiva para o milho de segunda safra é de níveis de produtividade também reduzidos e, devido ao recuo no preço, -24% na comparação anual, a margem bruta deve recuar em 18 vezes em comparação à última safra, sendo insuficiente para suprir todos os custos operacionais efetivos inerentes à produção.
Em Rio Verde/GO, é projetado recuo de 82% na margem bruta, enquanto em Dourados/MS a redução de 38% em relação à safra 2022/2023 resultará também em margens negativas, o que sinaliza a inviabilidade econômica da atividade no curto, médio e longo prazo, visto que os desembolsos estão sendo superiores à receita.
Na pecuária, o cenário de margens apertadas, iniciado em 2022, se mantém. Na região de Goiás, ainda segundo
levantamentos realizados pelo projeto Campo Futuro (CNA/CEPEA-ESALQ/USP), a redução de 16% da renda
bruta por arroba vendida pelos pecuaristas, neste primeiro bimestre de 2024, em relação ao mesmo período de
2023, resultou em recuo de 43% na margem bruta. Para os produtores de animais de reposição, na mesma região,
a redução da margem, no comparativo anual, foi de 59%, fruto também da queda mais acentuada dos preços de
venda do que dos custos de produção.
Na pecuária de leite, o intenso volume de leite importado dos países vizinhos sul-americanos acentuou o recuo
no preço recebido pelos produtores ao longo de 2023, estendendo-se em 2024. No comparativo anual, na
média Brasil, o preço do leite apresentou retração de 21%, acarretando a queda de 67% da margem bruta dos
produtores de leite, menor valor já registrado desde 2017.

Neste contexto de adversidades climáticas e margens apertadas, o papel do seguro rural emerge como um
instrumento fundamental para mitigar os riscos inerentes à atividade agropecuária. No entanto, a insuficiência de
recursos destinados à subvenção do prêmio do seguro rural agrava a situação, colocando em risco a segurança
financeira dos produtores.
Ao longo do último ano, a agropecuária brasileira sofreu com a falta de recursos para a subvenção ao Programa de
Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), acarretando um segundo ano consecutivo de redução na área coberta, após o recorde de cobertura de 2021. No ano passado, a área coberta com os recursos do programa foi de apenas 6,3 milhões de hectares, totalizando, com as apólices que não conseguiram aderir ao PSR, 11,4 milhões de hectares.
O orçamento do PSR em 2023 foi de R$ 1,06 bilhão, porém, ao longo do ano, foram cancelados R$ 130 milhões,
lembrando que a demanda do setor era de R$ 2 bilhões. Já em 2024, o orçamento aprovado na LOA 2024 foi de
R$ 940 milhões, mas, devido aos vetos da Presidência da República, o orçamento se tornou contingencial
e já sofreu redução de R$ 17 milhões no início do ano, trazendo grande preocupação ao setor, haja vista os
impactos previstos da La Niña.
Segundo a Superintendência de Seguros Privados (Susep), nos últimos três anos, o total de indenizações no seguro
rural ultrapassou os R$ 17 bilhões, montante de recursos que não precisou ser renegociado nem trouxe danos à
economia, já que os produtores possuíam esse respaldo.
No último exercício, a emissão de apólices foi reduzida em 50%, quando comparada a 2021. Os produtores que não
conseguiram acessar a ferramenta e que perderam suas produções tiveram que solicitar medidas emergenciais de
renegociações e prorrogações de operações de crédito rural a fim de terem condições de continuar as atividades.
Diante desse panorama desafiador, torna-se essencial a reavaliação dos instrumentos políticos agrícolas
disponíveis, como o crédito rural, o seguro rural e a política de garantia de preços mínimos, a fim de se
estruturarem ações estratégicas que possam mitigar os impactos negativos do clima e do mercado sobre o setor
agropecuário, garantindo a permanência do produtor na atividade e o abastecimento de alimentos à população.
Este documento vai ao encontro dessas necessidades e priorizações ao apresentar as propostas da Confederação
da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) para o Plano Agrícola e Pecuário 2024/2025, pautadas na análise
criteriosa do contexto econômico-financeiro e nas necessidades prementes da agropecuária. Medidas
assertivas e estratégias bem fundamentadas ajudarão o setor na superação desses desafios, promovendo o
desenvolvimento sustentável e a resiliência da produção de alimentos frente às adversidades, sejam elas de mercado, sejam elas climáticas.
PROPOSTAS PRIORITÁRIAS
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) destaca as propostas prioritárias para o Plano Safra 2024/2025 na visão dos produtores rurais:
- Garantir suplementação de R$ 2,1 bilhões ao Seguro Rural em 2024 (totalizando R$ 3 bilhões) e R$ 4 bilhões para 2025.
- Disponibilizar R$ 570 bilhões em recursos financiáveis do PAP 2024/2025, sendo R$ 359 bilhões para custeio e comercialização, R$ 111 bilhões para investimentos e R$ 100 bilhões para agricultura familiar. Garantindo que os recursos anunciados estejam disponíveis ao longo de toda a safra.
- Priorizar recursos para as finalidades de investimento, principalmente aos pequenos e médios produtores (Pronaf e Pronamp) e aos programas para construção de armazéns (PCA), irrigação (Proirriga), inovações tecnológicas (Inovagro) e para Sistemas de Produção Agropecuária Sustentáveis (Renovagro).
- Reforçar o orçamento das Operações Oficiais de Crédito (OOC), sobretudo das subvenções de sustentação de preços e comercialização e custeio.
- Promover medidas regulatórias para ampliar as fontes de recursos do crédito rural através de medidas que flexibilizem a aplicação das exigibilidades de crédito rural.
- Regulamentar a Lei Complementar no 137/2020, que criou o Fundo de Catástrofe.
- Possibilitar o rebate de taxas ou aumento do limite financiável para produtores que promoverem práticas socioambientais.
- Promover adequações para evitar excessos e distorções na interpretação de resoluções, como a Resolução CMN no 5.081/2023 e Resolução BCB no 140/2021, que tratam de temas socioambientais, sem prejuízo do cumprimento da preservação ambiental.
- Fomentar o avanço do mercado de capitais e títulos privados do agronegócio, possibilitando aumentar o funding do setor.
- Coibir as práticas de venda casada e possibilitar a redução dos custos acessórios do crédito rural, sobretudo através de regulamentação e modernização do mercado registrador.