CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO
Engenheiro Agrônomo, MS, Pesquisador Científico
do IEA – Instituto de Economia Agrícola.
www.iea.sp.gov.br
O Pós II Guerra foi período marcado pela adoção de políticas de cooperação internacional, voltadas para a reconstrução econômica das nações e territórios que sucumbiram diante do esforço destinado a municiar suas máquinas bélicas. Na esteira desse auxílio, os países em desenvolvimento, na maior parte economias dependentes das receitas provenientes dos mercados de commodities (petróleo, metálicas, agrícolas), lograram obter Acordos de Produtos de Base, garantindo, pelo menos em teoria, ordenamento do mercado por meio da distribuição de cotas e preços administrados. Estrategicamente, na perspectiva dos países ocidentais, mitigar a pobreza nos países em desenvolvimento era particularmente crucial no sentido de deter o avanço da influência da então chamada cortina de ferro (países sob regime socialista) nessas nações. Vários acordos de produtos de base prosperaram na segunda metade do século passado.
A rápida disseminação desses acordos internacionais foi favorecida pelo perfil do mercado global de commodities, uma vez que, do lado da oferta, se aproxima muito do conceito de concorrência perfeita, pois são transacionados produtos homogêneos, empregando tecnologia madura e sem barreiras à entrada ou saída de agentes econômicos. Em contrapartida, entre compradores há o nomeado oligopsônio (pequeno número de compradores para inúmeros vendedores). O balanço dessas duas forças econômicas produzia imperfeita formação dos preços, usualmente, em detrimento da ponta ofertante.
Para pleno e equilibrado funcionamento de qualquer mercado há que se dispor de variáveis críticas. Nas agrícolas inúmeras delas são decisivas a começar pelo comportamento do clima durante o ciclo produtivo. Outras a essa se somam como: balanço entre oferta e demanda que regula o suprimento e a eventual formação ou consumo de estoques; custos de produção; aspectos relativos à origem e ao destino dos produtos transacionados – logística; existência de sazonalidades (safra e entressafra, pico de consumo); incidência de tarifas, taxas e comissões sobre as transações; prêmio de exportação; oscilações cambiais; tipo de acondicionamento; tendências futuras para a produção e a demanda; fricção entre compradores e vendedores. Trata-se de ambiente decisório sumamente complexo, assimétrico e com forte propensão a produzir defeitos.
Tentativas em se administrar tal ambiente serão infrutíferas como ficou patente na baixa eficácia dos acordos internacionais (posteriormente, no caso do café arábica, emendados por tentativa igualmente fracassada de acordo entre países produtores – APPC). Assim, consagraram-se, consensualmente, as bolsas de derivativos como lócus econômicos melhor talhados para corrigir as imperfeições do mercado, promovendo refinadas ações como: padronização dos contratos; normas de conduta dos agentes; procedimentos para compensação e liquidação e refinados procedimentos para impedir a ascensão de processos de manipulação.
As negociações em Bolsa de Derivativos se ajustaram muito bem nas situações em que existe um descasamento temporal entre a necessidade do demandante e o fluxo de suprimento do ofertante (entrega futura), fenômeno usual entre traders e agroindústria de processamento. Ao disciplinar o ambiente para a realização de negócios e reduzir a assimetria de informações (sem, contudo, gerar o preço de equilíbrio), os contratos em bolsa de derivativos permitem mitigação do risco da volatilidade de preços, propiciando mais ajustado planejamento da oferta, passando os vendedores (agricultores) a ancorar suas decisões na perspectiva financeira, ou seja, o vender primeiro para depois plantar.
Em decorrência de sua capacidade em exibir diariamente cotações para inúmeras mercadorias (commodities) e adotando refinados mecanismos para ajustes das oscilações dos preços, progressivamente, as bolsas também se consolidaram como espaços para a realização de investimentos sem conexão com o respectivo produto original, contribuindo decisivamente na expansão da liquidez necessária para a concretização de negócios em tempo quase real. Nesse processo o café ganhou sua roupagem de ativo financeiro pleno.
Desde o final do século XIX, mas sobretudo após os anos 70 do século passado com o surgimento do mercado de opções, o contrato de café arábica na Bolsa de Nova York (Contrato C1) consiste no principal mecanismo de sinalização dos preços para todo o mercado do produto, embora o padrão referencial seja o café da América Central. A atração de investidores nesse mercado foi tão massiva que na atualidade, em doze meses, o volume de café transacionado na forma de derivativo equivale a dez ou mais safras de arábica colhida globalmente, enquanto a entrega no físico equivale a menos 1% do volume total negociado.
Sem capacidade de absorver a continuada queda nas cotações, na primeira quinzena de março de 2019, circulou informação de que as lideranças da cafeicultura colombiana estariam sugerindo a Federação Nacional dos Cafeteros (FNC) em deixar de seguir as cotações do pregão da Bolsa de NY, entendendo que mercados concorrentes estão usufruindo de melhores valores2.
Todavia, a proposta de retirar da bolsa a referência para o café colombiano poderá trazer implicações bastante severas para seus cafeicultores. A eventual diminuição da liquidez no mercado físico colombiano, por exemplo, pode represar as transações por tempo indeterminado. A incerteza da capacidade de suprimento em quantidade e qualidade aumentará, motivando os compradores a diversificarem suas aquisições para outras origens para mitigar seus riscos. Por fim, implicará em gastos extraordinários, pois os lotes a serem comercializados no físico e a necessária referência certificada para as transações futuras terão que ser assumidas pelo governo ou pela FNC, pressionando ainda mais os já reduzidos preços recebidos. Assim, ocorrerá deslocamento do atrito atualmente existente entre compradores e vendedores para a vendedores e governo.
A estratégia colombiana pode ter outra conotação diferente da propagada. As lideranças procuram com esse alarde, abrir espaços de negociação com os dirigentes da FNC visando reduzir a alíquota retida melhorando o preço final de transferência internamente praticado.
Com a saída do produto colombiano da bolsa os cafés centro americanos seriam automaticamente alçados na condição de referência para os preços do produto. Caso ocorra a adesão desses países ou de parte deles à renúncia colombiana (já existe sinalização nesse sentido), a bolsa de NY poderia vir a perder sua plena capacidade de formação de preços.
Do ponto de vista do agronegócio café do Brasil (maior produtor e exportador mundial, segundo maior consumidor – capacidade de influenciar), caso os colombianos mantenham esse desejo de se afastarem da praça de NY, o mais recomendado seria empregar toda a força de tração de nossa cafeicultura (exercer sua dominância de mercado), para fomentar a transferência da sinalização de preços para a cidade de São Paulo com base nas operações diárias da Bolsa Brasil Balcão B[3] que desde o início dos anos 90 possui negociações diárias de futuro e opções de café.
Compilando dados de 2018 e do primeiro bimestre de 2019, constata-se que a B[3] possui significativo movimento financeiro em café, atingindo mensalmente média de US$140 milhões em contratos do produto, com pico de mais de US$250 em janeiro de 2018 (Figura 1). É um negócio que pode crescer muito se houver coalizões que o promovam para a condição de real alternativa a NY, sendo a mais prioritária a isenção de tributos no movimento de ajuste diário. Salienta-se que em círculos fechados já houve o interesse da Bolsa de Chicago (que é acionista da B[3]) em instituir o Contrato B naquela praça.
Existem estudos evidenciando que a transferência de preços da Bolsa de NY para a paulistana alcança 99% de correlação, possuindo, portanto, capacidade de orientar o mercado brasileiro e mundial em termos de formação dos preços. Ademais, há o interesse do agronegócio do país em verdadeiramente se transformar em plataforma global para os negócios envolvendo o café (verde, diferenciados, T&M e solúvel).
A cafeicultura brasileira, comparativamente aos seus principais concorrentes, está relativamente blindada da acentuada queda de preços4. Nossas lideranças não podem se deixar seduzir por propostas de ordenamento de mercado mediante objetivos comuns de países produtores. Ocupar o vácuo deixado pelos colombianos, resgatando a natural liderança desse mercado deve ser a meta a ser perseguida. Os fatos e o momento são propícios para o exercício dessa ação coordenada.
REFERÊNCIAS
1 O café colombiano é entregue diretamente nos armazéns do país. Sob o preço de NY há um ágio para o café colombiano e um grande deságio para se chegar ao preço recebido pelo cafeicultor, pois a Federação se apropria desse valor para promover a gestão do negócio. Eventualmente, essas cifras retidas pela Federação serão empregadas no apoio ao segmento após a desistência de se seguir a bolsa.
2 Aparentemente, trata-se de teste de exequibilidade. Caso outros países percebam nessa estratégia uma alternativa para superar a queda das cotações, poderia se transformar em numa ação coordenada. Recentemente, países centro americanos (cafés lavados) sinalizaram que se juntariam aos colombianos. A liderança colombiana defensora da estratégia não apresenta demonstra dados que o cafeicultor brasileiro recebe mais que o colombiano.
3 Disponível em: http://www.b3.com.br/pt_br/market-data-e-indices/servicos-de-dados/market-data/consultas/mercado-de-derivativos/resumo-das-operacoes/estatisticas/ Consulta efetuada em 19/03/2019.
4 Disponível e: http://www.iea.sp.gov.br/out/LerTexto.php?codTexto=14574