DAVI MOSCARDINI
Engenheiro Agrônomo, Mestre em Fitotecnia.
Estamos caminhando para a terceira safra brasileira de arábica aquém do esperado nas principais regiões cafeeiras do país. O frio intenso e as consecutivas secas têm castigado as lavouras de café com severos déficits hídricos, superiores ao tolerado por esta espécie.
Na região da Alta Mogiana, por exemplo, os déficits hídricos máximos foram respectivamente: 319mm em Novembro de 2020, 332mm em Setembro de 2021 e aproximadamente 175mm em Setembro de 2022 (Dados Fundação Procafé). Em alguns locais a situação foi ainda pior este ano, dada a desuniformidade da precipitação a nível regional. O café arábica tolera no máximo 150mm de déficit hídrico sem apresentar perdas de produtividade, dado que explica em boa parte as quebras ocorridas nas últimas safras.
Um fato curioso é que, de maneira geral, as lavouras conduzidas em sistema de Safra Zero exibiram maior tolerância e resiliência às hostilidades climáticas, apresentando média móvel superior a lavouras de mesmo padrão e idade conduzidas sem poda. Talhões conduzidos no sistema convencional foram duramente penalizados nas últimas safras. Não foi incomum encontrar lavouras que apontavam carga pendente de 40 a 50 sc/ha apresentando quebras acima de 50% após a colheita. Elenco abaixo algumas hipóteses que buscam explicar fisiologicamente esta diferença em tolerância observada entre os dois sistemas de cultivo.

1) Desfolha
No sistema convencional a colheita é realizada todo ano fato que implica em maior desfolha para a safra subsequente. Os frutos de café são retirados pelo impacto realizado por hastes vibratórias ou pela colheita manual. Ambas invariavelmente derrubam folhas saudáveis fundamentais para o pegamento da florada e desenvolvimento dos frutos (Figura 1). A fixação das estruturas reprodutivas (flores e chumbinho) depende de fotossíntese realizada no par de folhas anexo ao internódio produtivo, por isso o ditado do campo de que flor não é café é verdadeiro. Foram muitos os casos de lavouras com florescimento abundante que estão agora com poucos frutos por nó e exibindo uma carga não condizente com a florada.

Fica aqui um insight sobre a crescente adoção das novas variedades na região (‘Obatã Amarelo’, ‘Arara’, ‘Catucaí’). A maior produtividade e a tolerância/resistência a ferrugem, vieram com introgressões de café Canéfora no melhoramento, o que infelizmente também aumentou a força de desprendimento dos frutos. A título de curiosidade o ‘Obatã Vermelho’ e o ‘Icatu’, presentes nestes materiais, apresentam força de desprendimento de café cereja 25% e 37% superior ao padrão ‘Catuaí’ respectivamente [1]. Colher estes materiais preservando o enfolhamento será um desafio ainda maior.
Outro fator desfolhante é a carga de frutos presente na planta, especialmente em anos de alta produtividade. Os frutos são drenos fortes que competem por fotoassimilados com as estruturas vegetativas e favorecem a desfolha, especialmente em lavouras com desequilíbrios nutricionais e hídricos. Some a isso o etileno natural liberado para sua maturação, que também acelera a queda de folhas, principalmente as já debilitadas.
A ausência de carga em cafés podados também favorece a retenção de folhas pela maior resistência ao ataque de doenças, especialmente ferrugem e cescosporiose, muito favorecidas em anos de alta carga e facilmente controladas em anos de poda.

2) Reservas
Tudo que o cafeicultor busca, após ter produzido a máxima quantidade de internódios produtivos é o desenvolvimento abundante de gemas florais, que podem gerar uma florada de alto potencial. Caso o pegamento seja satisfatório será possível obter uma safra acima da média. Todos estes processos dependem de energia produzida nas folhas pela fotossíntese e das reservas estocadas em ramos e raízes na forma de carboidratos.
Além dos carboidratos produzidos nas folhas existe também a contribuição das reservas de amido em ramos plagiotrópicos para que haja o desenvolvimento das gemas florais e posterior florada. Em anos de baixa produtividade ou de poda, existe acúmulo de amido nos ramos (Figura 2 A) uma vez que a concorrência por carboidratos pelos frutos é ausente ou muito pequena. Este superávit de energia na forma de amido é utilizado para desenvolvimento das gemas florais (Figura 3).

Já nos anos de alta carga a demanda dos frutos é tão elevada que exaure as reservas de carboidrato das plantas (Figura 2B) diminuindo a capacidade de florescimento para a safra seguinte. Este é um dos motivos fisiológicos da bienalidade de produção no café arábica.
Como no ano de esqueletamento não há carga de frutos para ser sustentada o acúmulo de reservas em ramos atinge o seu ápice, a exemplo da Figuras 2A e 3A. Por este motivo cafés esqueletados raramente apresentam problemas de diferenciação floral, na maioria das vezes apresentando internódios com elevado número de botões florais.
3) Colheita
Outros dois fatores impactam para a redução da produtividade de lavouras colhidas todos os anos (convencional). Praticamente toda safra estão ocorrendo problemas de desprendimento de frutos, mesmo em variedades tradicionais como Catuaí e Mundo Novo.
Há sempre uma “sinuca de bico” na colheita que diminui o potencial produtivo da safra seguinte. Do ponto de vista teórico deveríamos colher café cereja (máxima expressão de qualidade) em uma passada com mínimo de danos possível. No campo isso é praticamente impossível. Se aumentar a vibração perde-se pela intensa desfolha e por ferimentos no caule e ramos. Se diminuí-la ficará muito café para trás, necessitando de mais uma passada ou repasse manual, uma operação extremamente indesejada dada escassez de mão de obra e o custo.

A solução então seria deixar o café secar na planta para derriçá-lo com o mínimo de vibração possível, abrindo mão de um pouco de qualidade de frutos na árvore e aumentando a varreção. Mais uma vez surgem dois problemas.
Quanto mais tardia a colheita, maior o risco de já haver botões florais desenvolvidos para próxima safra com café ainda na planta (Figura 4), algo que tem ocorrido com cada vez mais frequência. Colher café neste tipo de situação é certeza de diminuição de produtividade na safra seguinte.

Outro problema relacionado a reservas também ocorre quando optamos por colher café seco e atrasamos a colheita. Quanto mais tempo o fruto fica na árvore, maior o consumo de carboidratos (energia), competindo com o
desenvolvimento das gemas. A colheita tardia diminui a produtividade do ano seguinte, acentuando ainda mais a bienalidade (Figura 5). Isso ocorre devido a diminuição do número de gemas ou chumbinhos por roseta (Figura 6)
A realização da varreção é outra operação de colheita que contribui para diminuição da produtividade do ano subsequente. O preparo da entrelinha com trincha e a passagem do rastelo sob a copa expõe o solo, aumentando a temperatura e a perda de água por evaporação. Esta condição favorece ainda mais o estresse hídrico, com grande possibilidade de impactar o potencial produtivo do próximo ciclo.

Ainda sob o ponto de vista do status hídrico é interessante trazer uma percepção do campo de que as lavouras podadas aparentam tolerar melhor a seca. Especula-se que isso esteja relacionado a melhora da relação parte aérea/sistema radicular, além da renovação de parte do sistema radicular, que morre após a poda e é renovado com o retorno de chuva e temperatura adequada.
CONCLUSÃO
O sistema convencional apresenta todos os desafios expostos anteriormente, além de diminuir a vida útil do cafezal, uma vez que os ferimentos da colheita causam a morte de ramos plagiotrópicos e consequente queda do potencial produtivo.
O sistema de poda safra zero é a bienalidade em sua forma mais intensa e consiste na separação do desenvolvimento de vegetação e frutificação em dois anos. Esta prática apresenta diversas vantagens agronômicas e é uma excelente estratégia de cultivo se realizada com planejamento financeiro e operacional.
A combinação de maior enfolhamento, acúmulo de reservas, ausência de estresses relacionados a colheita da safra anterior e possível melhora da relação parte aérea/sistema radicular explicam as maiores médias de produtividade observadas em lavouras conduzidas neste sistema nos últimos anos.
REFERÊNCIAS
BORDIN, Bárbara Cristina de Melo. Respostas morfofisiológicas e produtivas do cafeeiro submetido a diferentes épocas e métodos de colheita no Cerrado Mineiro. 2020. 80 f. Dissertação (Mestrado em Manejo e Conservação de Ecossistemas Naturais e Agrários) – Universidade Federal de Viçosa, Florestal. 2020.
[1] DA SILVA, Flávio Castro. Efeito da força de desprendimento e da maturação dos frutos de cafeeiros na colheita mecanizada. 2008. Dissertação (Mestrado em Engenharia Agrícola) – UFLA, Lavras, 2008.
CHAVES FILHO, Jales Teixeira. Variação sazonal de amido em tecidos de reserva do cafeeiro arábica na fase reprodutiva. 2008. Tese (Doutorado em Fisiologia e Bioquímica de Plantas) – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2008.
MOSCARDINI, Davi Bernardes et al. Total Soluble Sugars Dynamics in Coffee Fruits Under Development. Journal of Agricultural Science, v. 12, n. 5, p. 94-100, 2020.