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[Davi Moscardini] – Reflexões sobre a calagem no cafeeiro: É possível potencializar seus benefícios?

Davi Moscardini

Eng. Agrônomo, Mestrando em Fitotecnia pela ESALQ/USP

 

Apesar de muitas vezes negligenciada, a calagem é a principal prática agrícola realizada em ambiente tropical, pois cultivar plantas por aqui é essencialmente uma atividade acidificante.  As principais fontes de acidez nos cafezais são as altas taxas pluviométricas, que depositam ácido carbônico e lixiviam cátions básicos (Ca2+, Mg2+, K+) do solo e as pesadas adubações nitrogenadas que geralmente são realizadas com ureia, nitrato de amônio e sulfato de amônio. Estas fontes invariavelmente serão nitrificadas e a oxidação do nitrogênio é um processo que gera H+, por este motivo o solo acidifica quando a adubação nitrogenada é realizada com fontes amoniacais ou amídicas.

Como não existe cafeicultura competitiva sem nitrogênio e muito menos sem água, a calagem é uma prática obrigatória para combater a acidez e proporcionar benefícios como:

  • Neutralização de alumínio

A elevação do pH do solo diminui a disponibilidade de alumínio (Al3+). Este elemento é tóxico as raízes do cafeeiro, pois afeta o alongamento e a divisão celular (Figura 1).

 

Figura 1 – Ponta de raíz normal (esquerda) comparada à ponta de raiz deformada (direita) pelo alumínio tóxico. Fonte: CSIRO.
  • Aumento da disponibilidade de nutrientes

A faixa ideal de disponibilidade da maioria dos nutrientes se situa em pH 6,5 em água (Figura 2). A exceção são os micronutrientes metálicos (Fe2+, Cu2+, Zn2+, Mn2+) que se tornam menos disponíveis à medida que o meio se torna alcalino.

Figura 2 – Efeito do pH na disponibilidade dos nutrientes e na solubilidade do alumínio (MALAVOLTA, 1989).
  • Fornecimento de nutrientes

A aplicação de calcário é forma mais barata de fornecer cálcio e magnésio para o cafeeiro. O cálcio é um elemento importante para a resistência contra patógenos, desenvolvimento do tubo polínico e crescimento de raízes, pois é constituinte da lamela média das paredes celulares. Já o magnésio está presente no centro da molécula de clorofila, atua no transporte de carboidratos e é um agente atenuante do estresse oxidativo. Atualmente este é o nutriente mais problemático nas lavouras de café, pois o excesso de potássio aplicado na fase de granação dificulta sua absorção pelo cafeeiro.

  • Aumento de cargas negativas no solo

As cargas dos solos tropicais muito intemperizados são na sua maioria dependentes de pH. Em pH baixo os óxidos de ferro e alumínio e as argilas 1:1 (caulinita) desenvolvem cargas positivas. A presença de cargas positivas diminui a capacidade de retenção de cátions e aumenta a fixação de fósforo. Portanto a calagem aumenta a eficiência da adubação fosfatada e a retenção de cátions no solo.

  • Outros benefícios

A adição de cálcio através da calagem melhora a estrutura do solo pela agregação de partículas. O calcário também aumenta a atividade biológica do solo e a mineralização de matéria orgânica.

Tudo isso resulta em aumento de produtividade do cafeeiro (Figura 3). Estes benefícios tornam o calcário o insumo agrícola mais barato para cafeicultor, pois é o que traz mais retorno financeiro por unidade de capital investido.

Figura 3 – Relação entre pH em água e produtividade do cafeeiro (MALAVOLTA, 1993).

 

Momento de aplicação de corretivos no cafeeiro

A calagem nas lavouras de café é muitas vezes a operação mais adiada do sistema de produção. Geralmente é realizada somente após a colheita e beneficiamento do café, pois neste momento o produtor está focado somente em finalizar a safra. Entretanto atrasar e adiar a aplicação de corretivos implica em uma série de desvantagens:

  • Tempo para reação do corretivo

O calcário só reage na presença de água. Portanto se o corretivo for aplicado após a colheita (Julho/Agosto) provavelmente não haverá umidade suficiente para que ocorra a reação, pois este é o período mais seco do ano. Adicione a isso o fato de que mesmo na presença de água, a reatividade do corretivo, um dos componentes do cálculo do PRNT (Poder Relativo de Neutralização Total), é referente a um período de três meses. Provavelmente uma aplicação de calcário realizada pouco antes da abertura da florada só apresentará todos efeitos desejados na expansão dos frutos. Durante todo este período pode ocorrer falta de cálcio e magnésio e todos os problemas decorrentes da acidez.

Existe no mercado excelentes opções de corretivos de alto PRNT como a cal virgem dolomítica e óxido de magnésio. Estes produtos são boas opções quando há a necessidade de rápida correção e fornecimento de cálcio/magnésio ou quando aplicação de calcário atrasou por algum motivo. O custo destes corretivos é mais elevado e cabe ao técnico avaliar em conjunto com o produtor a viabilidade de sua utilização.

  • Incompatibilidade de corretivos com fertilizantes

A aplicação de adubos fosfatados é geralmente é realizada após a colheita, com o retorno das chuvas. O fornecimento de fósforo é naturalmente de baixa eficiência nos solos tropicais e piora ainda mais quando aplicado logo após a aplicação de calcário. O calcário em superfície eleva o pH e o teor de cálcio nos primeiros centímetros de solo. Em pH alto e na presença de cálcio a retrogradação de fósforo é favorecida e são formados fosfatos de cálcio insolúveis, indisponíveis para as plantas.

Outra questão são as perdas de nitrogênio quando adubos nitrogenados são aplicados sobre calcário. A antecipação da primeira parcela de nitrogênio é uma prática benéfica e ganha cada vez mais espaço nos cafezais pelos seus bons resultados. Porém a aplicação de fontes amoniacais e amídicas em ambiente de elevado pH resulta em aumento da volatilização de amônia, ou seja, perda de nitrogênio e dinheiro.

Uma alternativa para aumentar a eficiência da calagem

A resolução destes problemas não é complexa, mas exige planejamento e agilidade. Após o último parcelamento de adubação é necessário aguardar um mês e realizar a amostragem de solo. Com o resultado em mãos a dose deve ser calculada e o corretivo aplicado o mais cedo possível, de preferência até o final de Abril.

Neste período ainda ocorrem chuvas nas regiões tradicionais como a Alta Mogiana, desta forma o calcário terá tempo e umidade para reagir e o cafeeiro entrará em um novo ciclo (florada) com suprimento de cálcio e magnésio e livre dos malefícios da acidez. A eficiência das subsequentes aplicações de nitrogênio, fósforo e outros nutrientes também será maior.

Padrão de cafe ‘Mundo Novo’, aos 30 meses de idade. Franca (SP). Créditos: Davi Moscardini.

Conclusão

            A aplicação de fertilizantes e corretivos deve sempre respeitar o manejo 4C. A fonte certa, na dose certa, no lugar certo e principalmente no caso da calagem, na época certa. Com bom planejamento é possível adiantar a sua realização, maximizar seus benefícios e evitar perdas de outros fertilizantes.

Infelizmente toda vez que o operacional é priorizado em detrimento do ideal agronômico a produtividade é penalizada. Na constante baixa de preços, o esmero na realização de cada operação facilitará a permanência e o sucesso do cafeicultor na atividade.

 

REFERÊNCIAS

MALAVOLTA, E. ABC da adubação. Editora Agronômica CERES, São Paulo, 1989.

MALAVOLTA, E. Nutrição mineral e adubação do cafeeiro. Editora Agronômica CERES, São Paulo, p.49, 1993.

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