AFONSO PECHE FILHO
Pesquisador Científico do Instituto Agronômico de Campinas (IAC)
Nas últimas décadas, a agricultura brasileira passou por um processo acelerado de modernização tecnológica, com ganhos expressivos em produtividade e expansão da fronteira agrícola. Entretanto, esse avanço tem sido acompanhado por um fenômeno silencioso, mas recorrente: a ilusão do sucesso imediato como promessa de enriquecimento seguro.
Em vez de consolidar estratégias de longo prazo, muitos agricultores, sobretudo médios e grandes produtores, embarcam em um ciclo perigoso de ampliação de área, endividamento e dependência de fatores externos como clima, mercado e crédito. Esse comportamento, amplamente difundido, pode ser chamado de “Síndrome do Castelinho de Areia”, em que se constroem estruturas frágeis sobre bases instáveis, sustentadas apenas por resultados pontuais.

O Ciclo da Ilusão
Na base dessa síndrome está a crença de que o uso intensivo de tecnologias — sementes híbridas, defensivos agrícolas, fertilizantes sintéticos e máquinas de alta performance, conduz automaticamente ao sucesso. De fato, em safras favoráveis, essa promessa se realiza: as margens aumentam, a renda cresce e as perspectivas se tornam otimistas. Contudo, essa euforia momentânea tende a encobrir falhas graves de gestão, como o desconhecimento da real estrutura de custos, a ausência de planejamento de risco e o descontrole sobre os compromissos financeiros.
Com base em uma ou duas safras lucrativas, muitos agricultores ampliam suas áreas por meio de arrendamentos com valores elevados, frequentemente descolados da realidade de preços futuros e da volatilidade do mercado. Essa expansão, baseada no sucesso recente, desconsidera fatores fundamentais como:
- Riscos climáticos sistêmicos (estiagens, geadas, veranicos)
- Oscilação de preços internacionais
- Aumento do custo dos insumos
- Desvalorização cambial
- Limitações logísticas e de armazenagem
Quando uma ou mais dessas variáveis se tornam desfavoráveis, o castelo erguido sobre ganhos pontuais desmorona, revelando uma estrutura financeira e produtiva frágil, altamente dependente de crédito emergencial, renegociações e políticas públicas de salvamento.
Consequências Sistêmicas
A ilusão do sucesso não afeta apenas a saúde financeira individual das propriedades, mas impõe consequências coletivas sobre o setor agrícola:
- Concentração de terras: Agricultores menores e mais prudentes acabam excluídos por não conseguirem competir com quem aposta alto e por vezes artificialmente inflaciona os preços de arrendamento.
- Degradação ambiental: A pressa em expandir áreas resulta na ocupação de solos marginais ou ecologicamente sensíveis, comprometendo a sustentabilidade.
- Aumento da dependência de insumos externos: A expansão vem geralmente associada a pacotes tecnológicos que não priorizam a autonomia produtiva.
- Fragilidade social no campo: Pequenos produtores e trabalhadores rurais acabam sendo impactados por decisões de risco tomadas por grandes agentes da cadeia.
Gestão: A Base Sólida que Falta
A alternativa à “síndrome do castelinho de areia” está na construção de uma base sólida de gestão estratégica, que considere:
- Planejamento de médio e longo prazo
- Diversificação de riscos
- Gestão eficiente de custos e indicadores produtivos
- Autonomia tecnológica e resiliência produtiva
- Investimentos proporcionais à capacidade da propriedade
Além disso, é necessário fomentar uma cultura de formação continuada, onde a tecnologia não seja vista como um fim em si mesma, mas como meio subordinado à gestão qualificada e consciente.
Uma Nova Mentalidade para o Sucesso Sustentável
Superar a ilusão do sucesso exige mudança de mentalidade. O verdadeiro sucesso na agricultura não se mede apenas por hectares plantados ou caminhões colhidos, mas pela capacidade de atravessar adversidades, proteger o solo, manter a propriedade viável no longo prazo e gerar renda com dignidade e equilíbrio.
Como o ditado popular já revela com sabedoria, “não se constrói castelo firme em areia solta”. Na agricultura, isso significa não confundir safra boa com sucesso garantido, nem progresso tecnológico com sustentabilidade econômica. O futuro do campo brasileiro depende menos da próxima supermáquina e mais de agricultores preparados para gerir com prudência, planejar com inteligência e resistir ao apelo sedutor das promessas fáceis.