XICO GRAZIANO
Como sabem alguns, eu me inscrevi para ser presidente da Embrapa. O edital exigia, além do currículo, que os candidatos apresentassem seus “motivos”. Agora, que o processo terminou, torno pública, abaixo, minha visão sobre a Embrapa e seus dilemas contemporâneos.
Eu não sei as razões pelas quais fui desclassificado do concurso, que tinha 16 candidatos. Zero de transparência. Típico de um governo que teme se expor ao país.
Nesse processo, muitos me apoiaram, o que agradeço. Conheci pessoas sensacionais dentro da Embrapa, pesquisadores e analistas que carregam o piano da tecnologia agropecuária, nem sempre reconhecidos. Eles me ajudaram a compreender como a burocracia interna está depreciando o conhecimento. Queriam alguém “de fora” para mudar a gestão da Embrapa.
Não deu certo, desta vez. Seguiremos articulados. Porque o idealismo que nos uniu continua. A Embrapa é uma empresa maravilhosa. Penas que esteja sendo tão mal gerenciada, centralizada em prejuízo da base, maltratando a liberdade da criação científica. Vamos em frente!
Motivos
Aqueles que acompanham a nossa agropecuária sabem que a Embrapa exerceu papel fundamental no processo de modernização tecnológica do campo. Favoreceu assim, por conseguinte, não apenas o agro, mas todo o desenvolvimento brasileiro. Daí veio o reconhecimento e respeito que adquiriu na sociedade.
Quando criada, havia um foco perfeito: nos anos 1960 era necessário diversificar e ampliar a produção do campo para enfrentar os dilemas do abastecimento popular, advindos do inchaço das metrópoles pelo êxodo rural.
Fortemente conectada com a realidade, suas pesquisas geraram conhecimentos essenciais, e rápidos, necessários para elevar a oferta de comida e matérias-primas agrícolas. Sem a Embrapa, a ocupação produtiva nos cerrados do Centro-Oeste teria, certamente, sido um fracasso. E o país continuaria a importar alimentos.
Passados 45 anos, desde sua fundação, muita coisa mudou, no Brasil e no mundo. Outra realidade se impõe, no campo e na cidade. Chegou, por isso, o momento de a Embrapa se superar.
Trata-se de um problema até certo ponto normal das instituições, públicas especialmente: serem capazes de acompanhar a evolução da sociedade, adaptando-se continuadamente para, na linguagem popular, não perderem o bonde da história.
Ao alavancar o agronegócio brasileiro, a Embrapa ajudou o país a avançar. Paradoxalmente, entretanto, esse sucesso trouxe o risco de ela ficar ultrapassada, se não descobrir, urgentemente, quais são suas (novas) funções estratégicas nesse patamar superior do desenvolvimento nacional.
Minha trajetória profissional permite ter a pretensão, neste momento especial, de presidir a Embrapa. Por que? Porque o grande desafio que se coloca reside na promoção de seu rejuvenescimento institucional para, assim, corresponder com as virtudes da história.
Mais que colaborar no direcionamento das pesquisas ou na orientação de laboratórios, muito além das ciências agrárias, ou mesmo da competência técnico-científica, a grande tarefa da direção superior será comandar um processo de transformação, fazendo a Embrapa encontrar seus marcos contemporâneos. Isso significa promover certa revolução dentro da Embrapa.
Na consecução da tarefa organizacional, entendo existirem 3 situações relevantes:
1. Está em curso, por razões que não cabem aqui discutir, uma crise fiscal do Estado, terrível e duradoura, que limita fortemente a capacidade financeira da Embrapa. Se, antes, o farto orçamento público permitia realizar pesados investimentos, pagos pela sociedade, agora mudou o cenário das contas públicas.
2. Frente às restrições orçamentárias, impõe-se uma reengenharia financeira na Embrapa, capaz de enxugar o custeio da máquina e captar fontes extras de recursos, em parcerias públicas ou privadas, no Brasil e no exterior.
3. Mais que nunca, prioridades absolutas devem ser estabelecidas na execução orçamentária, assim como indicadores de produtividade precisam avaliar o trabalho individual e coletivo. Gestão de resultados deverá ser um conceito-chave da nova Embrapa.
Quanto aos objetivos estratégicos, ouso destacar as 4 seguintes questões:
1. Olhando para o horizonte, penso que a Embrapa deveria liderar o movimento, nacional e global, que coloca a Bioeconomia do centro da economia de baixo carbono. Após o Acordo do Clima, de Paris, abriu-se uma grande oportunidade para o Brasil, por suas notórias vantagens comparativas devido ao seu potencial fotossintético. Antevejo a Embrapa brilhando nessas fronteiras do conhecimento, investindo em C&T&I para superar o dilema histórico entre produzir e preservar. Embrapa deve ser parâmetro científico da agricultura sustentável.
2. – Enxergar longe não significa tirar os pés da dura realidade. A Embrapa nasceu fortemente vinculada à produção, manteve fortes diálogos com os produtores rurais, mas anda perdendo suas conexões com as complexas cadeias produtivas que determinam a dinâmica do agro. Essa tendência precisa ser revertida, contando com o auxílio das ferramentas de comunicação digital. Reconectar fortemente a Embrapa no mundo da produção ligada ao agronegócio é um imperativo.
3. – Ao mesmo tempo, a Embrapa não pode suportar, como empresa pública de geração e transmissão de conhecimento, a exclusão tecnológica que se verifica no país. Cabe-lhe, junto com os governos estaduais, preocupar-se com os pequenos agricultores situados à margem da modernização tecnológica, ajudando-os a se inserir nos mercados. Erigir o agronegócio familiar deve ser uma baliza da Embrapa.
4. – Como instituição de pesquisa agropecuária, a Embrapa é uma morada do saber científico e do conhecimento tecnológico. Como órgão de Estado que é, cumpre orientações daqueles que, democraticamente eleitos, exercem o poder Republicano, por delegação, ao Ministro da Agricultura. Jamais, porém, suas atividades poderão se desgarrar do rigor do método científico. O trabalho cotidiano da pesquisa requer isenção ideológica.
Minha formação em agronomia, tendo sido pesquisador universitário em economia agrária, me ajuda. O que, porém, mais corrobora minha presunção de comandar a Embrapa é a experiência que acumulei como gestor público.
Na Secretaria de Estado da Agricultura, em São Paulo, naquela época (1996-98) em que o país se reorganizava pela ótica da responsabilidade fiscal, promovi uma profunda reforma administrativa na Pasta. Extinguimos órgãos, cortamos cargos, economizamos recursos.
Mais tarde (2007-10), na Secretaria de Estado do Meio Ambiente, unifiquei o licenciamento ambiental, então segmentado em várias instâncias, centralizando-o na Cetesb, medida que trouxe evidentes ganhos de eficiência e eficácia.
Aprendi, na execução do mando de Governo, que esses processos de reorganização institucionais bem prosperam desde que se consiga o apoio dos quadros internos. Na sociedade aberta dificilmente se impõem mudanças de cima para baixo; estas precisam ser consentidas, concertadas, para vingarem com êxito. O diálogo com os parceiros da gestão, internos e externos, deve ser permanente. Eu acredito na vantagem da gestão transparente e democrática.
Vivemos na era digital. A Embrapa precisa se livrar daquela burocracia pesada, típica do século passado, que gera relatórios quase sempre inúteis, jamais analisados, roubando precioso tempo da criação intelectual. Reduzir os comandos da sede ajudará a fortalecer a base descentralizada da Embrapa.
Nunca é fácil reformar instituições ou empresas, nem estatais nem privadas. Cada qual organiza conhecidas “redes de lealdade”, que tendem a manter o status quo. No setor público, falar em gestão responsável, com indicadores de produtividade, é quase um mito, para não dizer um temor.
Provavelmente uma de minhas vantagens ao me candidatar à presidência da Embrapa seja precisamente o fato de eu ser “de fora”. Ninguém se modifica a si próprio com facilidade. Minha isenção coorporativa poderá me oferecer graus de liberdade preciosos para mobilizar forças a favor das definições estratégicas e administrativas que possibilitarão à Embrapa adentrar, com galhardia, na segunda fase de sua existência.
Por tais motivos, solicito minha inscrição no processo de escolha da presidência da Embrapa. Junto com seu extraordinário quadro de pesquisadores, técnicos de apoio e funcionários administrativos, gostaria de servir ao meu país redefinindo, como diria Eliseu Alves, os pilares dessa magnífica empresa pública.