ARTIGOSBovinos de Leite

[Glayk Humberto Vilela e Vânia Mirele Carrijo] – Leite: ferramenta no monitoramento nutricional das vacas em lactação

GLAYK HUMBERTO VILELA BARBOSA
Zootecnista, B.Sc Mestre em Produção Animal Sustentável pelo IZ – Instituto de Zootecnia.

Jurado Efetivo de Raças Zebuínas e Assessor de Pecuária Leiteira.
E-Mail: glaykhumbertovilela@yahoo.com.br

VÂNIA MIRELE FERREIRA CARRIJO
Médica Veterinária, B.Sc Mestre Produção Animal Sustentável pelo IZ – Instituto de Zootecnia.

Docente do Centro “Paula Souza”. Atua na área de sanidade, escrituração
zootécnica e biotecnologia da reprodução.

Na pecuária leiteira, o foco para obtenção de lucro está relacionado à maximização da produção e à redução dos custos com alimentação. Por influenciar diretamente a sanidade, reprodução, produção e qualidade do leite, a nutrição apresenta papel de destaque, sendo um dos maiores desafios, além de ser o principal fator da eficiência dos sistemas de produção intensivos, já que pode representar até 70% dos custos. A nutrição das vacas é complexa, principalmente pela preocupação em suprir dois sistemas distintos: o organismo do animal e os microrganismos presentes no rúmen.

Um manejo nutricional eficiente leva em consideração os requerimentos nutricionais (proteínas, carboidratos, lipídeos, minerais e vitaminas) para cada categoria animal, além da composição química dos alimentos, suprindo suas necessidades tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo. As exigências das vacas variam de acordo com o estágio de produção e reprodução, portanto, mudanças de manejos, juntamente com acompanhamento constante das dietas são de fundamental importância para evitar tanto o excesso quanto a deficiência de nutrientes e, desse modo, não comprometer o animal e sua produção.

Para que o monitoramento do manejo nutricional tenha algum valor do ponto de vista de tomada de decisão, é necessário que os dados coletados sejam representativos daquilo que realmente acontece no rebanho, que tenham importância no desempenho animal e que estejam relacionados à alimentação. Ainda, têm que ser de fácil obtenção, passíveis de serem manipulados e de sofrerem intervenções através do manejo nutricional. Monitorar a dieta através da produção de leite; análise do leite; escore de fezes e escore de condição corporal.

Além disso, vaca com alta produção de leite e alto teor de sólidos é sinônimo de vaca saudável. Sendo assim, torna-se importante monitorar a composição do leite produzido, que também traz informações importantes para realização de ajustes no manejo nutricional e na formulação da dieta. Atualmente, existe uma tendência no Brasil de valorização do aumento dos teores de gordura e proteína do leite, sendo muitos os laticínios que já bonificam por sólidos. 

O conhecimento da composição do leite e suas variações é tão importante para o nutricionista, como meio para monitorar efeitos da alimentação ou para a detecção de transtornos metabólicos, como para o produtor, em termos de modificações que podem afetar o processamento industriado leite. A composição do leite varia em função de muitos fatores que incluem: espécie mamífero, raça, estágio de lactação e variação durante a ordenha, entre outros. O acompanhamento da composição do leite é de grande importância por três motivos:

  1. Avaliação da dieta e do metabolismo das vacas em lactação;
  2. Classificação do leite pelo seu valor como matéria prima para a indústria processadora;
  3. Verificação da integridade do leite quanto a adição ou retirada de componentes da dieta.

Devido à grande variabilidade existente na composição do leite, as análises para a sua determinação devem ser precisas o suficiente para não confundir a interpretação dos resultados, rápidas o suficiente para permitir que se relacione os resultados com as condições ainda vigentes no rebanho e baratas o suficiente para que se tomem parte da rotina dos rebanhos leiteiros.

A composição do leite pode ser utilizada como indicador do status nutricional dos animais, assim como sinalizador de distúrbios metabólicos, desde que seja analisada corretamente. Para isso, é preciso ter em mente valores de referência sobre os quais se observa um desvio aceitável ou considerado problemático. Esses valores se baseiam primeiramente na média da raça, relatada em literatura, mas devem ser ajustados de acordo com números médios de cada rebanho, além de serem consideradas variações decorrentes do animal, por exemplo, nível de produção, estágio de lactação ou idade da vaca, e do ambiente, como sistema de alimentação e época do ano.

Pecuária leiteira. Ordenha Foto Arnaldo Alves – SECS

Além de conhecer os valores de referência, é necessário também entender as respostas de cada componente do leite a alterações da dieta, uma vez que a relação não é simples e direta e sim dependente dos mecanismos de síntese dos sólidos do leite a partir de precursores dietéticos. O objetivo é relatar de forma simplificada como a composição do leite se altera de acordo com o que o que o animal está consumindo para que possamos então fazer o caminho inverso e utilizar dados de composição de leite para avaliar o manejo nutricional das vacas em lactação.

Começando com a gordura, este é o componente do leite que mais sofre alterações decorrentes de características da dieta, tanto em seu teor, como em sua composição de ácidos graxos. De forma generalizada, a síntese de gordura no leite responde diretamente a alterações no padrão de fermentação ruminal, uma vez que nesse processo são produzidos tanto os precursores quanto metabólitos reguladores da síntese na glândula mamária.

Ao contrário da gordura, a proteína é um componente do leite de manipulação limitada, que também apresenta variações menores. A proteína do leite é composta principalmente por caseína (77 a 82%), além de proteínas do soro e nitrogênio não protéico. A proteína do leite é sintetizada a partir da proteína metabolizável, composta por um pool de aminoácidos absorvidos no duodeno, provenientes da proteína microbiana, proteína não degradável no rúmen e proteína endógena. A proteína microbiana corresponde à maior parte da proteína metabolizável, variando de 55 a 65% em vacas em lactação. Portanto, é esperado que qualquer manipulação dietética que potencialize a produção de proteína microbiana beneficie a síntese de proteína no leite.

A relação entre teores de gordura e proteína do leite é talvez o parâmetro mais comumente utilizado para avaliação nutricional de um rebanho e também para detecção de distúrbios metabólicos. Quando essa relação está inferior a 1, estima-se que a proteína está adequada e a gordura está baixa, o que indica excesso de carboidratos não fibrosos na dieta (elevada relação concentrado:volumoso), inclusive com prováveis quadros de acidose. Já relação gordura/proteína maior que 1,5 pode ser decorrente de baixo teor de proteína, devido à deficiência de proteína ou energia na dieta, ou do elevado teor de gordura, conseqüência de quadros de cetose no rebanho.

O interesse das indústrias pelo teor de caseína, principal proteína do leite, vem crescendo bastante recentemente, uma vez que interfere diretamente no rendimento industrial do processamento do leite. Com isso, os laboratórios estão, cada vez mais, incluindo o teor de caseína nas análises rotineiras de composição do leite. A relação caseína/proteína bruta do leite pode ser indicativa da nutrição protéica e da sanidade dos animais. A caseína deve ser responsável por 77 a 82% da proteína bruta encontrada no leite. Valores abaixo disso indicam que uma fração acima do normal está sendo destinada a nitrogênio não protéico, principalmente uréia, ou a proteínas do soro. Quadros como esse podem ser decorrentes de inadequação protéica na dieta e serão acompanhados de elevado teor de nitrogênio uréico do leite –  NUL, ou de alta incidência de mastite, que danifica as células do tecido secretor, aumentando a difusão de proteínas do plasma para o leite e consequentemente a contagem de células somáticas (CCS).

O leite, assim como a urina, é um veículo de excreção do excesso de nitrogênio no organismo do animal. Esse nitrogênio excedente pode ser originado por excesso de proteína degradável no rúmen (PDR) na dieta, falta de energia no rúmen para utilização de toda a PDR disponível, excesso de proteína metabolizável ou perfil de aminoácidos não adequado da proteína não degradável no rúmen (PNDR).

O teor de nitrogênio uréico no leite (NUL) pode ser, então, utilizado como indicativo do excesso de proteína na dieta ou de má qualidade dessa proteína. Entretanto, as variações nos teores de NUL são grandes tanto ao longo do dia, como entre animais e em diferentes níveis de produção, tornando difícil o estabelecimento de valores de referência para o parâmetro. Dados de literatura apontam como padrões de referência de NUL valores entre 10 e 14 mg/dL, dependendo do nível de produção de leite do rebanho, valores menores não necessariamente indicam deficiência de proteína na dieta, mas sim podem refletir melhor eficiência de utilização do nitrogênio dietético devido ao ajuste fino e cauteloso da dieta (balanceamento por aminoácido, por exemplo).

O importante é entender que a formulação da dieta é apenas um dos processos do manejo nutricional da propriedade, que envolve desde a compra dos ingredientes, até a distribuição do alimento no cocho, incluindo agrupamento dos animais, mistura da ração, manejo do pasto, etc. Dessa forma, é essencial que tenhamos ferramentas para monitorar a eficácia desse manejo de modo a identificar problemas e corrigi-los o mais rápido possível.

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