DAVI MOSCARDINI
Eng. Agrônomo, Mestrando em Fitotecnia pela ESALQ/USP
davi.moscardini@usp.br
O ano de 2018 foi muito atípico nas principais regiões cafeeiras do país. Em visita a lavouras e conversas com produtores é nítido o descontentamento com o número de frutos por nó e com as sucessivas floradas (Figura 1), que iniciaram em agosto de 2018 e cessaram apenas em janeiro de 2019, fato no mínimo incomum na cafeicultura brasileira.
As respostas fisiológicas das plantas são muito influenciadas pelas condições ambientais onde são cultivadas. Uma investigação básica foi realizada com dados meteorológicos mensais de 30 anos da estação automática do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) localizada em Franca – SP, cidade que representa a região Alta Mogiana. A análise deste conjunto de dados é necessária para a formulação de hipóteses sobre como as anormalidades climáticas de 2018 podem ter modulado os fenômenos inusitados observados no campo, como a ocorrência de quatro floradas e o número de frutos por nó abaixo do esperado.
O que condicionou o florescimento desuniforme?
É necessário acúmulo de cerca de 350 mm de evapotranspiração potencial (ETp) a partir de abril para que as gemas reprodutivas do cafeeiro maturem e possam dar origem a florada principal [1]. Segundo os dados de Camargo & Camargo (2001) isso só ocorre em Franca no final do mês de setembro.
Observando o Gráfico 1 verifica-se a ocorrência de precipitação mais de três vezes superior à média histórica no mês de agosto de 2018. Estas chuvas foram o gatilho do primeiro florescimento parcial, pois parte considerável dos botões florais já haviam atingido o estágio E4, momento em que a água estimula a antese [2]. A florada principal ocorreu somente no final de setembro, em concordância com o exposto anteriormente. Alguns poucos botões continuaram a abrir até o mês de outubro.
O fato mais curioso foi a ocorrência de florescimento no mês de janeiro. Estas flores estavam localizadas próximas a folha danificada pelo frio (Figura 2). Isso indica que são oriundas das últimas gemas induzidas e diferenciadas pelos dias curtos que sucedem o equinócio de outono. A gemas mais novas naturalmente levam mais tempo para maturar, mas é inquestionável que janeiro de 2019 é tarde demais para isso ter ocorrido. Então o que pode ter inibido a ocorrência desta florada?
Segundo os dados históricos de precipitação (Gráfico 1) os meses de outubro e novembro foram muito mais chuvosos que a média. O mês de novembro de 2018 foi o mais chuvoso dos últimos 30 anos. É possível que o excesso de água tenha inibido a abertura destas últimas flores, fenômeno já descrito na literatura [3] e comprovado na prática em lavouras irrigadas continuamente durante o inverno. O forte veranico de dezembro, evidenciado pela precipitação 22% inferior à média histórica, proporcionou o estresse hídrico necessário para que estas flores abrissem com o retorno da chuva, fato que ocorreu em janeiro de 2019.
Porque o número de frutos por nó ficou aquém do esperado?
Se for analisado apenas o volume total de precipitação do ano de 2018 (Tabela 1) chega-se à conclusão que este foi excelente do ponto de vista hídrico, o mais chuvoso dos últimos 8 anos. No entanto, o problema de 2018 foi a distribuição inadequada destas chuvas.
De agosto a novembro a precipitação foi muito acima da média histórica e de abril a julho muito abaixo. Sabe-se que de março a abril inicia-se a diferenciação das gemas vegetativas para estruturas reprodutivas no café arábica [4]. Infelizmente o forte déficit hídrico deste período pode ter diminuído o número de flores viáveis por nó [5].
Outro fator que contribuiu para a ocorrência de poucos frutos por nó (Figura 3) foi a temperatura. Para investigar este atributo foram construídos gráficos de temperatura média e máxima média do ar (Gráfico 2 e 3).
Observa-se que em 2018 a temperatura média e máxima média foi superior à média histórica de 30 anos durante o período de março a julho. De acordo com Alvim (1973) o número de botões florais por nó é drasticamente reduzido quando o cafeeiro é submetido a temperaturas elevadas. No campo não foi raro encontrar flores atrofiadas em algumas plantas, mais um indício de temperatura excessiva (Figura 4).
Conclusão
A floração do cafeeiro é extremamente complexa. Até o presente momento ainda não há consenso entre os especialistas sobre os mecanismos que regulam certos processos deste estágio fenológico. Este artigo teve como objetivo construir hipóteses sobre como o clima impactou a fisiologia do cafeeiro no ano de 2018. Não se descarta que outros fatores também possam ter contribuído para as anormalidades. Anos como este escancaram a sensibilidade desta planta à possíveis mudanças climáticas e mostram a importância cada vez maior da construção de ambientes de produção menos estressantes ao cafeeiro.
Referências
[1] CAMARGO, A. P. & CAMARGO, M. B. Definição e esquematização das fases fenológicas do cafeeiro arábica nas condições tropicais do Brasil. Bragantia, Campinas , v. 60, n. 1, p. 65-68, 2001 .
[2] CRISOSTO, C. H.; GRANTZ, D. A.; MEINZER, F. C. Effects of water déficit on flower opening in coffee (Coffea arabica L.). Tree Physiology, Victoria, v. 10, p. 127-139, 1992.
[3] DRINNAN, J. E.; MENZEL, C. M. (1994). Synchronisation of anthesis and enhancement of vegetative growth in coffee (Coffea arabica L.) following water stress during flower initiation. J. Hort. Sci. 10:841-849.
[4] MAJEROWICZ, N. & SONDAHL, M. Induction and differentiation of reproductive buds in Coffea arabica L. Brazilian Journal of Plant Physiology. 2005.
[5] ALVIM, P. T. (1973) ‘Factors affecting flowering of coffee’, Journal of Plantation Crops, 1, 37–43.