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[Davi Moscardini] – Como Sojicultores podem nos Ensinar a Produzir mais Café

Davi Moscardini

Eng. Agrônomo, Mestrando em Fitotecnia pela ESALQ/USP.  E-mail: moscardini@usp.br

 

O CESB (Comitê Estratégico Soja Brasil) é uma entidade sem fins lucrativos, criada por pesquisadores, profissionais da área e consultores técnicos com o objetivo de produzir e compartilhar informações que possibilitem a extração do máximo potencial produtivo dos materiais genéticos de soja disponíveis no mercado.

A instituição organiza anualmente um desafio de máxima produtividade, englobando as principais regiões produtoras da oleaginosa no Brasil e os resultados desta importante iniciativa já vêm sendo observados a campo, com produtores chegando a produzir impressivas 140 sacas por hectare.

A elaboração deste artigo foi baseada nas informações disponibilizadas periodicamente pelo CESB em seu portal online, onde se tem acesso aos cases de sucesso de produtores campeões do desafio, assim como circulares técnicas compilando informações valiosas para quem almeja desvendar os caminhos para altas produtividades.

Apesar da soja ser uma leguminosa anual e o café um arbusto perene, ambas plantas incorporam carbono pela via metabólica C3 e determinados conceitos de fisiologia e fertilidade de solo são absolutos, não variando em função da planta estudada. Sendo assim, é possível construir hipóteses do que aconteceria se aplicássemos os conceitos discutidos abaixo, na cultura do cafeeiro.

A intenção é refletir sobre possibilidades, técnicas e manejos que podem ser testados em pequena escala nos cafezais a fim de avaliar sua viabilidade, como já vem sendo feito com sucesso por alguns produtores e técnicos.

Práticas de manejo

O bom controle das doenças na soja foi um fator chave para o alcance de produtividades superiores a 70 sacos/ha e caso o controle não seja eficiente, perdas consideráveis podem ocorrer nesta cultura.

Sabemos que o mesmo ocorre no cafeeiro. A ferrugem do cafeeiro, se mal controlada, pode levar a perdas de 35% na produção e a cercosporiose a perdas de até 30%. Em condições favoráveis a Phoma e a Mancha-Aureolada também podem comprometer o potencial produtivo. Portanto, é imprescindível proteger as plantas destes patógenos, através da nutrição equilibrada e do controle químico, quando necessário.

A população de plantas por hectare também foi crucial na obtenção de altas produtividades na cultura da soja. O mesmo se observa para o cafeeiro. Quando plantado de forma adensada o aproveitamento da água e nutrientes é otimizado e o efeito das altas temperaturas é minimizado pelo auto-sombreamento, se traduzindo em maiores produtividades.

O ponto mais importante do adensamento de plantio, porém, é a redução da bienalidade de produção de natureza fisiológica do café arábica. Com o aumento de plantas por hectare, cada planta de café produz menos devido à competição, porém como há mais plantas por hectare a produtividade aumenta. Esta prática é benéfica, pois a menor produção por planta exige menos reservas, sendo assim, a partição de fotoassimilados entre a frutificação e a vegetação fica mais equilibrada, aumentando a estabilidade de produção durante os anos.

Fertilidade química

O atual sistema amostragem de solo só possui teores de correlação para a profundidade de 0 a 20 centímetros de profundidade, o que proporciona uma noção errada de que se corrigirmos esta camada estamos resolvendo os problemas químicos do solo como um todo. A soja explora uma profundidade muito superior a esta e as raízes do cafeeiro podem chegar a até 4 metros de profundidade segundo dados da literatura.

Comprovando a relevância de um perfil de solo corrigido e fértil, as altas produtividades de soja apresentam correlação positiva com teores de fósforo, potássio, cálcio, magnésio, matéria orgânica, saturação de bases e CTC em até um metro de profundidade.

Alguns pontos são fundamentais quando se pretende explorar solos em profundidade. É necessário que o solo possua teores suficientes de cálcio e boro ao longo do perfil, ausência de alumínio trocável e de camadas compactadas que oferecem resistência à penetração de raízes e a difusão de oxigênio, este último de importância fundamental no desenvolvimento radicular.

As novas células que se originam no meristema apical da raiz necessitam de cálcio e boro, que são constituintes da lamela média, um tipo de cimento que une as células. É importante dizer que ambos nutrientes são imóveis quanto à redistribuição, em outras palavras, significa dizer que é preciso tê-los na solução do solo, devido a sua baixa mobilidade dentro do floema da planta. Portanto, pulverizações foliares com estes elementos suprirão muito pouco as necessidades das raízes.

Com relação aos teores de alumínio ao longo do perfil, nestes trabalhos os solos apresentavam altos teores de magnésio e o boro, o que provavelmente elevou a tolerância a este elemento tóxico. No entanto é importante enfatizar que os teores de alumínio de 0-20 cm foram nulos nos campeões de produtividade e que também raramente encontramos cafezais com altos teores de magnésio e boro no solo, muito pelo contrário.

É fundamental neutralizar o alumínio livre na solução do solo devido a sua toxicidade às raízes do cafeeiro. Plantas de café cultivadas em solução nutritiva mostram diminuição progressiva de crescimento radicular e de produção conforme se aumenta a concentração de alumínio. A simples prática da calagem já resolve este problema em superfície pela elevação do pH, porém cabe ao gesso eliminá-lo em profundidade pela formação do sulfato de alumínio.

Fertilidade física

O impedimento físico ou a compactação do solo também é prejudicial ao crescimento radicular, isto é, quanto maior foi a resistência do solo a penetração das raízes, menor é a produtividade alcançada pelos sojicultores. Este problema deve ser diagnosticado antes da implantação de cafezais e no caso da presença de uma camada adensada, é necessário rompê-la com uso de hastes subsoladoras ou com o cultivo de plantas de cobertura de sistema radicular agressivo antes da implantação do cafezal. O consórcio com braquiária na entrelinha, por exemplo, já se mostrou benéfico para os atributos físicos de um solo degradado, promovendo maior granulação superficial e agregação do solo.

FOTO 1 : Consórcio café-braquiária apresenta diversos benefícios como a diminuição da temperatura do solo e da perda de água por evaporação, além da elevação do teor de matéria-orgânica.

Fertilidade biológica

A atividade da enzima Beta-glicosidase tem correlação positiva com a produtividade de soja. Esta enzima atua no processo final de decomposição da celulose, gerando como produto final a glicose, que é um carboidrato importante para manutenção da vida dos micro-organismos no solo. Portanto, a atividade desta enzima pode ser utilizada como um indicador de qualidade de solos, determinando atividade biológica, capacidade do solo em estabilizar matéria orgânica e identificando o efeito de determinados manejos na sua biologia.

Fica aqui o questionamento de como anda a qualidade biológica dos solos utilizados pela cafeicultura. Não se sabe praticamente nada. Diferentes práticas como o manejo de matos, consórcio com braquiária, uso excessivo de herbicidas, trinchas, arruações, varrições, adubações localizadas e utilização de compostos orgânicos, por exemplo, certamente devem impactar a dinâmica da microbiota de nossos cafezais.

Conclusão

Já existe tecnologia e conhecimento suficientes para que essas técnicas sejam adotadas nos cafezais brasileiros como têm mostrado alguns produtores e consultores. O uso de estratégias tal como o consórcio com braquiária, gesso agrícola e o preparo profundo de solo são tecnologias em adoção e estão provando trazer bom retorno aos cafeicultores. Estas técnicas vêm se mostrando fantásticas por que aumentam o desenvolvimento do sistema radicular e consequentemente o acesso ao insumo mais limitante da produtividade agrícola, a água.

Os sojicultores campeões alcançaram produtividades recordes, porque perceberam que um sistema de produção pode ser mais complexo que a interpretação de um laudo de fertilidade de vinte centímetros de solo. Ele é dinâmico e a qualidade de cada um de seus componentes vai ditar o seu sucesso. Em tempos de margens de lucro estreitas e de incertezas climáticas, vencerá aquele que conseguir extrair até a última gota do potencial produtivo dos materiais genéticos que possuímos atualmente.

 

Literatura recomendada

CASALE, H. Gesso agrícola lixivia nutrientes: há razões para preocupação? Visão Agrícola. [on-line]. Edição 12. Piracicaba, junho 2013. Disponível na Internet:
< http://www.esalq.usp.br/visaoagricola/edicoes/cafeicultura>.

FAVARIN, J. L. et al. Novo conceito no preparo do solo para lavoura cafeeira. Visão Agrícola. [on-line]. Edição 12. Piracicaba, junho 2013. Disponível na Internet:
< http://www.esalq.usp.br/visaoagricola/edicoes/cafeicultura>.

RAGASSI, C. F.; PEDROSA A. W.; FAVARIN, J. L. Aspectos positivos e riscos no consórcio cafeeiro e braquiária. Visão Agrícola. [on-line]. Edição 12. Piracicaba, junho 2013. Disponível na Internet: < http://www.esalq.usp.br/visaoagricola/edicoes/cafeicultura>.

SAKO, H. et al. Circular Técnica 2. Fatores decisivos para se obter produtividade de soja acima de 4.200 kg/ha. Comitê Estratégico Soja Brasil (CESB), Nov. 2016. Disponível na Internet:< http://www.cesbrasil.org.br/wp-content/uploads/2016/11/Circular-Tecnica-2-final.pdf>.

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