Um dos precursores na ampliação do conhecimento sobre a tecnologia de aplicação adequada dos defensivos agrícolas no país, o docente da UNESP-FCAV, Tomomassa Matuo, recebe título de “Personalidade da Fitossanidade Brasileira” no CONBRAF – Congresso Brasileiro de Fitossanidade.
A diferença entre o remédio e o veneno está na dose. Aplicada ao universo da agricultura, a frase de domínio popular poderia muito bem resumir a notável trajetória acadêmica de um docente aposentado da Unesp que está sendo reconhecido como a “Personalidade da Fitossanidade Brasileira” na sexta edição do Congresso Brasileiro de Fitossanidade (Conbraf), que acontece nesta quarta-feira (21) em Goiânia (GO).
O engenheiro agrônomo Tomomassa Matuo, 80 anos, dedicou boa parte de sua carreira a formular disciplinas inéditas, formar novos pesquisadores e consolidar o conhecimento acumulado na área de fitossanidade. Hoje, Matuo é reconhecido por suas contribuições para o desenvolvimento da chamada “tecnologia de aplicação”, que consiste em administrar produtos fitossanitários para controle de pragas ou doenças nas lavouras sempre buscando a maior eficiência possível. Ou, em outras palavras, otimizar os resultados empregando a menor quantidade possível de agrotóxicos.
Em 1990, após 20 anos lecionando no atual câmpus de Jaboticabal da Unesp, Matuo lançou um livro teórico intitulado “Técnicas de Aplicação de Defensivos Agrícolas”. A obra atualmente é reputada como o livro essencial de teoria na área. Um dos assuntos abordados no livro versa justamente sobre a correta aplicação do produto no alvo, na quantidade necessária e ocasionando o mínimo de contaminação possível. O conceito inclui analisar as formas de aplicação que possam resultar na aplicação incorreta do produto fora do alvo desejado, de forma a minimizar as quantidades empregadas e maximizar a eficiência. Na apresentação de sua homenagem no Conbraf deste ano – o primeiro a acontecer de forma presencial depois da pandemia de covid-19 – o docente da Unesp é chamado de “Pai da Tecnologia de Aplicação na América Latina”.
“Não apenas o professor (Tomomassa) está vivo em carne e osso – o que é ótimo pra nós, pesquisadores da área – como o ideário dele permanece muito vivo e ativo na agronomia brasileira. E, mais especificamente, na tecnologia de aplicação”, diz o professor Marcelo da Costa Ferreira, último pesquisador a ser orientado por Tomomassa Matuo e seu sucessor no Departamento de Fitossanidade da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) do câmpus de Jaboticabal da Unesp.
Infância no ambiente rural influenciou escolha da profissão
Nascido em Pompéia, pequeno município do centro-oeste paulista, Matuo é o filho mais novo de um imigrante japonês, e o único nascido no Brasil. Seu pai era farmacêutico por formação e decidiu emigrar do Japão para trabalhar com agricultura. Por ter crescido na lavoura, em contato direto com a realidade rural, desde pequeno Matuo sentia desejo de cursar agronomia. Ingressou na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq/USP), formou-se em 1965 e teve como primeira experiência profissional o trabalho de assistência técnica para agricultores na cooperativa em que o pai era um dos cooperados.
Foi em 1970 que Matuo iniciou sua carreira acadêmica ao candidatar-se para uma vaga na faculdade de agronomia de Jaboticabal, um dos 14 institutos isolados que deram origem à criação da Unesp em 1976. O professor assumiu então a disciplina de Tratamento Fitossanitário. Foi a primeira disciplina na América Latina focada em tecnologia de aplicação, e havia sido criada pelo professor Marcos Antônio Monteiro Vilela. Uma vez que a disciplina abordava um assunto ainda recente à época, o titular da cadeira enfrentava o desafio tanto de se aprofundar no tema quanto de estruturar, praticamente a partir do zero, o conteúdo a ser passado aos alunos. “Quando cheguei, pensei: o que vou falar? O que vou fazer nessa disciplina que não tem modelo a seguir?”, conta o professor. “Tive que começar do zero. Devagar, fui me inteirando e organizando tópicos para poder dar aula”, diz.
Após a fundação da Unesp, foi criada uma pós-graduação na área. Isso permitiu que a rede de especialistas no campo começasse a se ampliar – e também sua influência como docente. Em 1978, Tomomassa Matuo fez um curto estágio de doutorado na Inglaterra, onde pode se aprofundar na temática e fazer contatos importantes. Esse período foi essencial para aperfeiçoar tanto a disciplina que ministrava como suas pesquisas sobre a aplicação de defensivos agrícolas, um assunto então ainda pouco estudado no país.
Preocupação com a saúde dos trabalhadores
Ao longo de sua carreira, o professor Matuo acumulou uma série de contribuições para a ampliação do conhecimento na área, que incluíram o desenvolvimento de novas disciplinas. Uma delas se intitulava “Ecotoxicologia de Defensivos Agrícolas e Saúde Ocupacional”, e tinha como objetivo apresentar o impacto ambiental dos agrotóxicos e a importância de cuidar da saúde dos profissionais que trabalham com esses produtos. O ensino e a formação de novos pesquisadores e profissionais com visão crítica para atuar na área foi, sem dúvidas, uma de suas grandes contribuições.
Para Alberto Issamu Honda, conselheiro da Fundação Shunji Nishimura de Tecnologia, um dos braços do Grupo Jacto, uma das principais empresas produtoras de máquinas agrícolas do país, com sede no mesmo município em que nasceu o professor da Unesp (Pompéia), o legado do docente foi justamente ter desenvolvido e mostrado a importância da tecnologia de aplicação dos defensivos agrícolas.
“A agronomia é uma área muito vasta. O pessoal muitas vezes vai para áreas como produção agrícola, controles, biotecnologia, nematoide, genética… É muito raro alguém que trabalhe especificamente em controle químico e em aplicação. Acho que o Tomomassa talvez seja um dos poucos”, diz Alberto Honda.
Para além da teoria, Tomomassa Matuo ficou conhecido por ser uma pessoa muito inventiva, e contribuiu também para a aplicação prática da matéria que lecionava. Um exemplo foi a criação do Pulverizador Envolvente, uma máquina de aplicação de produtos fitossanitários para fruticultura de formato convergente, que direcionava a aplicação para as plantas a fim de reduzir a perda de produto. A máquina possuía também um sensor que identificava a presença ou não de plantas para fazer a aplicação. Dessa forma, quando havia espaço vazio, a aplicação era interrompida, o que ele chamava de intermitência. Isso evitava contaminação do ambiente. O pulverizador valeu ao docente em 1987 o prêmio do “XV Concurso Nacional do Invento Brasileiro”. Em 1995, o docente ganhou o prêmio da “Sociedade Brasileira de Toxicologia” com o trabalho “Quantificação e Controle de Risco de Intoxicação Aguda dos Aplicadores de Agrotóxicos na Cultura de Algodão”.
Triunfo do conhecimento
Após se aposentar, em 1998, Matuo decidiu empreender fundando uma empresa que produzia equipamentos para a área. Uma das invenções foi a Armadilha Sonora para Cigarras, um equipamento que atraía as cigarras (uma praga importante na cafeicultura) através de um som emitido por alto-falante e aplicava o inseticida. Matuo conta que, embora fosse “uma máquina bastante impressionante”, o produto não vingou comercialmente, e a empresa fechou em 2018. Um ano antes, em 2017, ele havia publicado sua autobiografia, denominada “O Triunfo do Conhecimento”, tradução de seu nome escrito em ideograma japonês.
“É muito emocionante receber reconhecimento pelo que fizemos na vida. Sinto-me muito honrado. Estou aqui lembrando minha vida inteira e sentindo que valeu a pena”, diz ele, sobre a homenagem no VI Conbraf.
O Congresso Brasileiro de Fitossanidade foi realizado pela primeira vez em 2011 e desde a segunda edição, em 2013, possui a homenagem de “Personalidade da Fitossanidade Brasileira”. A edição deste ano ocorrerá de 21 a 23 de setembro em Goiânia e conta com a parceria da comissão local da Universidade Federal de Goiás. Mais detalhes sobre o evento no site conbraf2022.com.br.
FONTE: Jenyfer Molina (Jornal da UNESP)
CRÉDITOS FOTO: Tomás Matuo e o pai Tomomassa Matuo